quarta-feira, dezembro 03, 2008

O Senhor dos Ventos

(uma repostagem pertinente)

Quando me tinha fedelho, o meu avô Guaracy sempre renovava o estoque de novidades impressas assinando uma porção de coleções em fascículos que nos garantia doses sazonais de páginas e mais páginas em cores. Lá estava, por exemplo, "Os Bichos", seus volumes recheados de penas, garras, dentes, exoesqueletos e nadadeiras. De todas as figuras da coleção em apreço, uma me elevava às alturas da fantasia: um albatroz pairando sobre monstruosas vagas bem no olho de uma tempestade de meter medo. Era uma coisa linda que eu nunca me cansei de olhar (e lembrar). Outro pássaro - a procelária - também mantinha relações com as borrascas (daí seu nome, não é mesmo?). Mas era um pinto molhado se comparado à elegância do albatroz que, de envergadura, chega a metros.
O corpo é pequeno em relação ao todo. Mas tudo ali foi projetado para um aéreo bailar sob as mais severas condições, mal batendo as asas. O albatroz valsa, planando, imperturbável ante a fúria dos elementos.
São dias negros e tempestuosos esses que me assolam. Em meio a tudo, procuro absorver o espírito poderoso desse solitário pássaro que se faz Lord das Águas e das Procelas. E assim sendo, vou aos meus alfarrábios e de lá cato uma das mais belas construções poéticas que estes míopes olhos já leram. Reproduzo aqui, de Máximo Gorki,

A Canção do Albatroz

Sobre a superfície cinzenta do mar,
O vento reúne
Pesadas nuvens.

Semelhante a um raio negro,
Entre as nuvens e o mar,
Paira orgulhoso o albatroz,
Mensageiro da tempestade.

E ora são as asas tocando as ondas,
Ora é uma flecha rasgando as nuvens,
Ele grita.
E as nuvens escutam a alegria
No ousado grito do pássaro.
Nesse grito - sede de tempestade!
Nesse grito - as nuvens escutam a fúria,
A chama da paixão,
A confiança na vitória.

As gaivotas gemem diante da tempestade,
Gemem e lançam-se ao mar,
Para lá no fundo esconderem
O pavor da tempestade.

E os mergulhões também gemem.
A eles, mergulhões,
É inacessível a delícia da luta pela vida:
O barulho do trovão os amedronta...

O tolo pingüim, timidamente
Esconde seu corpo obeso entre as rochas...

Apenas o orgulhoso albatroz voa,
Ousado e livre sobre a espuma cinzenta do mar.

Tonitroa o trovão.
As ondas gemem na espuma da fúria.
E discutem com o vento.
Eis que o vento
Abraça uma porção de ondas
Com força e lança-as
Com maldade selvagem nas rochas,
Espalhando-as como a poeira,
Respingando uma noite de esmeraldas.

O albatroz paira a gritar
Como um raio negro,
Rompendo as nuvens como uma flecha,
Levantando espuma com suas asas.
Ei-lo voando rápido como um demônio;
Orgulhoso e negro demônio da tempestade;
Ri das nuvens, soluça de alegria!
Ele - sensível demônio -
Há muito vem escutando
Cansaço na fúria do trovão.

Tem certeza de que as nuvens não escondem,
Não, não escondem...
Uiva o vento... Ribomba o trovão...
Sobre o abismo do mar,
Um monte de nuvens pesadas
Brilham como centelhas.

O mar pega as flechas de relâmpagos
E as apaga em sua voragem.
Parecem cobras de fogo.
Os reflexos desses raios,
Rastejando sobre o mar e desaparecendo.

Tempestade!
Breve rebentará a tempestade!
Esse corajoso albatroz
Paira altivo entre os raios
E sobre o mar furiosamente urrando
Então grita o profeta da vitória:
Que mais forte arrebente a tempestade!



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