Se a idéia era colocar sob a luz da reflexão nossas tendências mais lúgubres, pode apostar que o objetivo foi mais que alcançado. O filme “Unthinkable”, ainda sem título no Brasil, choca e faz você flanar de um posicionamento a outro, mesmo que sejam polarmente distantes. O enredo se demonstra aparentemente simples. Um americano islâmico planta três aparatos nucleares em três grandes cidades, programados para explodir em curto prazo. Capturado pelos órgãos de segurança do Tio Sam, o terrorista (fantasticamente interpretado pelo ator britânico Michael Sheen), passa por severo interrogatório sem pronunciar uma sílaba sobre sua nefanda atividade. O tempo urge, as bombas estão armadas e o personagem resiste a indicar seus paradeiros. Perceba que são bombas nucleares capazes do extermínio de milhões. E o Martin Sheen nem aí, mais calado que um poste.
Entra em cena então o personagem “H”, vestido pelo Samuel L. Jackson. Vai começar o horror. O “H” é um funcionário do governo americano mantido longe dos olhos do público. Casado e pai de dois filhos, sua especialidade é, pra dizer o mínimo, condenável. O homem é um expert em... tortura. Não a tortura hollywoodiana, asséptica e alva. Não a sutileza dos pingos d’água chineses martelando a cabeça do interrogado. Os métodos de Mr. “H” são quase medievais não fosse seu profundo conhecimento da psicologia da dor, que ele aplica com maestria.
Logo de início e na frente de diversas autoridades, ele pede uma machadinha. De posse da ferramenta, em três golpes e sem mais preâmbulos ele decepa os dedos de uma das mãos do prisioneiro que berra a toda goela preso a uma cadeira especialmente desenhada para o terrível propósito. Todos os presentes na sala se horrorizam. Uma das mais indignadas com a cena (além de você que assiste ao filme) é a agente do FBI Helen Brody, interpretada pela canadense Carrie Anne-Moss que ganhou o mundo e os corações dos nerds como a Trinity, de “Matrix”. Ela vai ser o fiel da balança.
A partir desta mutilação inicial abre-se a discussão que permeará todos os frames da película. De um lado, a condenação veemente a mais que abominável prática da tortura. Do outro, o maquiavélico preceito da relação entre os fins e os meios. E segue o circo de horrores. Unhas arrancadas (com direito a close nos dedos em carne viva e as unhas espalhadas ao lado de pinças cirúrgicas), choques elétricos, talhos nos genitais. Se você pensa que o roteiro vai facilitar sua vida e sua consciência pintando o torturador “H” como uma versão afro-americana do Marquês de Sade, pode esquecer. De determinado momento em diante o personagem começa a apresentar os efeitos que o seu “trabalho” provoca sobre sua alma. Pai dedicado (abre o filme uma cena cotidiana de família onde o Mr. “H” brinca com os filhos no aconchego do lar), o torturador vai expondo seus conflitos. Na outra ponta, a piedade que você vem dispensando ao torturado terrorista é abalada quando o dito oferece uma amostra de suas bombas, explodindo uma versão menor em um shopping center vitimando uma multidão. E ainda pronuncia um inflamado e extremista discurso.
A essas alturas você se pega completamente identificado com a personagem da Carrie Anne-Moss, a conscienciosa agente do FBI. Inicialmente confrontando o torturador, agora ela própria passa a defender seu uso, chocada com as mortes no shopping. E tome broca nos dentes e mais berros. Todo mundo já se acostumou à coisa. Até você próprio. Se o filho-de-uma-égua estraçalha crianças, pôxa, arranca logo as pernas dele e pronto. Num instante o biltre canta onde estão as bombas restantes. Resolvido. Salvamos um monte de inocentes ao custo de um ligeiro (?!) desvio ético. Sendo por uma boa causa, então, alicate no cara... A essas alturas você já virou um torturador profissional. Já começa a achar o Mr. “H” um cara simpático.
Perceba que começamos condenando veementemente a prática do suplício. Agora, já se demonstra positiva a relação custo-benefício. Mas se prepare que você vai mudar de novo de opinão. Sem mais tempo, com as bombas prestes a explodir, Mr. “H” vai aos extremos: mata a faca e diante de todos, a inocente esposa do prisioneiro que assiste impotente a cena sangrenta. E faz o impensável (unthinkable). Põe os filhos do terrorista, duas crianças, dentro da câmara de tortura e começa os preparativos pra dedicar sua atenção às ditas crias. Pronto. De novo a indignação. Sua e de todos os outros personagens. O torturado, não resiste. Confessa onde estão as bombas. As três bombas. Contudo, Mr. “H” se recusa a parar. Trancado dentro da câmara de tortura, enquanto todo mundo do elenco tenta arrombar a porta, ele começa a prender as crianças em cadeiras. Gritos, horror, pânico. Finalmente, porta abaixo, o monstro (que você começou odiando, passou a simpatizar e agora odeia novamente) é arrastado para longe dos meninos sob uma chuva de insultos.
Ufa...Você está psicológica e emocionalmente exausto. Acabou. Sinto muito, mas não... Para o seu desespero, ainda não. É que o Mr. “H” (que a essas alturas você quer ver queimando no inferno) anuncia placidamente: O terrorista venceu. Do alto de sua experiência, o torturador apresenta os fatos. Que o torturado tinha previsto todo o andamento do processo. Sabendo que passaria por tudo aquilo, o terrorista supostamente teria plantado quatro bombas e não somente três como anunciou no inicio. A quarta seria sua garantia de uma explosão genocida. E agora sem as crianças pra torturar, não se tinha como saber da localização deste aparato de, digamos, reserva. Confusão. Parte dos personagens grita que isso seria suposição. Outra parte berra veemente “...e se for verdade?”.
O fato é que as crianças são mantidas seguras. O terrorista toma uma arma e se suicida. O FBI saí a campo para o desarme dos explosivos, sua localização indicada pelo malfeitor, agora cadáver. Os créditos finais começam a subir enquanto ao fundo aparecem agentes desarmando a terceira bomba em um prédio abandonado. Os créditos passam diante dos seus olhos. Pôxa... Ainda bem que não torturaram mais ninguém. Os créditos continuam a passar na tela. A câmera mostra o prédio abandonado, close na bomba desarmada. Alívio. Você não precisou chegar ao “impensável”. Os créditos passam. A câmera passeia pelo cenário... Fixa em um canto escuro. Lá no fundo algo brilha. É um contador, um timer em contagem regressiva... É a quarta bomba... ela existe... vão morrer milhões.... 5...4...3...2...1... A tela escurece. Fim do filme.
Eu sei, eu sei... Estraguei o filme entregando tudinho. Mas foi necessário. Que o filme leva você de um lado pra outro no que se refere aos seus posicionamentos isso ficou patente. O que me preocupa foi o fim. Você percebeu que a coisa funciona na base do vai-e-volta. Momento você aprova, outro, você desaprova em um ciclo que parece interminável. Em deteminado ponto você se pega com vergonha de si próprio. Mas o perigoso foi que a existência daquela quarta bomba que dá a Mr. “H” razão em sua suposição. Assim, não seria a utilização da tortura justificada, mesmo em seus extremos? O filme pode ser um perigoso instrumento de justificativa ideológica às práticas tortuosas empregadas pelos Estados Unidos na tão propalada "Guerra ao Terror" (onde já emprega terríveis métodos). O terrorista torturado não era a imagem da santidade. Está claro. Mas sua esposa morta ante seus olhos e seus filhos quase submetidos ao sofrimento, eram completamente alheios a situação, inocentes, pois. Três seria um número aceitável de sacrifício em beneficio de milhões? Uma matemática negra, infernal, condenável e ... unthinkable. Como a tortura.
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Logo de início e na frente de diversas autoridades, ele pede uma machadinha. De posse da ferramenta, em três golpes e sem mais preâmbulos ele decepa os dedos de uma das mãos do prisioneiro que berra a toda goela preso a uma cadeira especialmente desenhada para o terrível propósito. Todos os presentes na sala se horrorizam. Uma das mais indignadas com a cena (além de você que assiste ao filme) é a agente do FBI Helen Brody, interpretada pela canadense Carrie Anne-Moss que ganhou o mundo e os corações dos nerds como a Trinity, de “Matrix”. Ela vai ser o fiel da balança.
A partir desta mutilação inicial abre-se a discussão que permeará todos os frames da película. De um lado, a condenação veemente a mais que abominável prática da tortura. Do outro, o maquiavélico preceito da relação entre os fins e os meios. E segue o circo de horrores. Unhas arrancadas (com direito a close nos dedos em carne viva e as unhas espalhadas ao lado de pinças cirúrgicas), choques elétricos, talhos nos genitais. Se você pensa que o roteiro vai facilitar sua vida e sua consciência pintando o torturador “H” como uma versão afro-americana do Marquês de Sade, pode esquecer. De determinado momento em diante o personagem começa a apresentar os efeitos que o seu “trabalho” provoca sobre sua alma. Pai dedicado (abre o filme uma cena cotidiana de família onde o Mr. “H” brinca com os filhos no aconchego do lar), o torturador vai expondo seus conflitos. Na outra ponta, a piedade que você vem dispensando ao torturado terrorista é abalada quando o dito oferece uma amostra de suas bombas, explodindo uma versão menor em um shopping center vitimando uma multidão. E ainda pronuncia um inflamado e extremista discurso.
A essas alturas você se pega completamente identificado com a personagem da Carrie Anne-Moss, a conscienciosa agente do FBI. Inicialmente confrontando o torturador, agora ela própria passa a defender seu uso, chocada com as mortes no shopping. E tome broca nos dentes e mais berros. Todo mundo já se acostumou à coisa. Até você próprio. Se o filho-de-uma-égua estraçalha crianças, pôxa, arranca logo as pernas dele e pronto. Num instante o biltre canta onde estão as bombas restantes. Resolvido. Salvamos um monte de inocentes ao custo de um ligeiro (?!) desvio ético. Sendo por uma boa causa, então, alicate no cara... A essas alturas você já virou um torturador profissional. Já começa a achar o Mr. “H” um cara simpático.
Perceba que começamos condenando veementemente a prática do suplício. Agora, já se demonstra positiva a relação custo-benefício. Mas se prepare que você vai mudar de novo de opinão. Sem mais tempo, com as bombas prestes a explodir, Mr. “H” vai aos extremos: mata a faca e diante de todos, a inocente esposa do prisioneiro que assiste impotente a cena sangrenta. E faz o impensável (unthinkable). Põe os filhos do terrorista, duas crianças, dentro da câmara de tortura e começa os preparativos pra dedicar sua atenção às ditas crias. Pronto. De novo a indignação. Sua e de todos os outros personagens. O torturado, não resiste. Confessa onde estão as bombas. As três bombas. Contudo, Mr. “H” se recusa a parar. Trancado dentro da câmara de tortura, enquanto todo mundo do elenco tenta arrombar a porta, ele começa a prender as crianças em cadeiras. Gritos, horror, pânico. Finalmente, porta abaixo, o monstro (que você começou odiando, passou a simpatizar e agora odeia novamente) é arrastado para longe dos meninos sob uma chuva de insultos.
Ufa...Você está psicológica e emocionalmente exausto. Acabou. Sinto muito, mas não... Para o seu desespero, ainda não. É que o Mr. “H” (que a essas alturas você quer ver queimando no inferno) anuncia placidamente: O terrorista venceu. Do alto de sua experiência, o torturador apresenta os fatos. Que o torturado tinha previsto todo o andamento do processo. Sabendo que passaria por tudo aquilo, o terrorista supostamente teria plantado quatro bombas e não somente três como anunciou no inicio. A quarta seria sua garantia de uma explosão genocida. E agora sem as crianças pra torturar, não se tinha como saber da localização deste aparato de, digamos, reserva. Confusão. Parte dos personagens grita que isso seria suposição. Outra parte berra veemente “...e se for verdade?”.
O fato é que as crianças são mantidas seguras. O terrorista toma uma arma e se suicida. O FBI saí a campo para o desarme dos explosivos, sua localização indicada pelo malfeitor, agora cadáver. Os créditos finais começam a subir enquanto ao fundo aparecem agentes desarmando a terceira bomba em um prédio abandonado. Os créditos passam diante dos seus olhos. Pôxa... Ainda bem que não torturaram mais ninguém. Os créditos continuam a passar na tela. A câmera mostra o prédio abandonado, close na bomba desarmada. Alívio. Você não precisou chegar ao “impensável”. Os créditos passam. A câmera passeia pelo cenário... Fixa em um canto escuro. Lá no fundo algo brilha. É um contador, um timer em contagem regressiva... É a quarta bomba... ela existe... vão morrer milhões.... 5...4...3...2...1... A tela escurece. Fim do filme.
Eu sei, eu sei... Estraguei o filme entregando tudinho. Mas foi necessário. Que o filme leva você de um lado pra outro no que se refere aos seus posicionamentos isso ficou patente. O que me preocupa foi o fim. Você percebeu que a coisa funciona na base do vai-e-volta. Momento você aprova, outro, você desaprova em um ciclo que parece interminável. Em deteminado ponto você se pega com vergonha de si próprio. Mas o perigoso foi que a existência daquela quarta bomba que dá a Mr. “H” razão em sua suposição. Assim, não seria a utilização da tortura justificada, mesmo em seus extremos? O filme pode ser um perigoso instrumento de justificativa ideológica às práticas tortuosas empregadas pelos Estados Unidos na tão propalada "Guerra ao Terror" (onde já emprega terríveis métodos). O terrorista torturado não era a imagem da santidade. Está claro. Mas sua esposa morta ante seus olhos e seus filhos quase submetidos ao sofrimento, eram completamente alheios a situação, inocentes, pois. Três seria um número aceitável de sacrifício em beneficio de milhões? Uma matemática negra, infernal, condenável e ... unthinkable. Como a tortura.
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3 comentários:
Simplesmente mais um filme sobre terrorismo. Porém, com dois grandes agravantes: incita o anti-islamismo e é pró-tortura. Sem dúvida, um filme que você não conseguirá assistir sem chegar ao final pensando: "como eu odeio os americanos".
Embora o filme mostre claramente um desafeto aos terroristas, e como já foi dito, incitando o anti-islamismo, acho que o que deve ser levado em conta é o papel da policial que refutava a tortura, mas que já esgotada e impaciente depois de ver que o terrorista não estava pra brincadeira,ela própria parte pra cima dele possessa de raiva, e principalmente o papel do torturador. Aquilo é loucura, me senti em constantes emoções com o psicológico variando. Não sabia se tinha raiva, ou pena dele. O filme é sensacional! Ao invés de focar a atenção no tema do filme em sí, acho que vale a pena viver as emoções dos personagens.
Não é apenas mais um filme sobre terrorismo. Aliás, terrorismo é um ato cometido (alguém tem que fazer o trabalho sujo) por ignorantes manipulados/padronizados por religiões. É um filme que mostra que as religiões/deuses/igrejas (sejam quais forem)são as piores coisas que foram literalmente inventadas para manipular as pessoas ignorantes visando o benefício de uma minoria (os donos das religiões/igrejas, que são quem nos governam). O filme também mostra a ruína da hierarquia quando as coisas se complicam. Novamente , alguém tem que fazer o trabalho sujo. Até onde as pessoas sustentam a sua moral? É certo fazer um trabalho que vai contra meus princípios morais? O mundo seria um pouco menos complicado se as pessoas acreditassem na Ciência e não em deuses/religiões/igrejas.Leiam o livro "Deus, um delírio" de Richard Dawkins. Seja um ateu, não se deixe manipular por padres, pastores, políticos, etc. Leia, estude, pense !!!
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