terça-feira, agosto 22, 2006

Desfazendo e Refazendo Malas...

UFA... Um susto... A Maya Jordana nos impõe um "batismo de fogo". Dois dias de hospital e a quase remição de todos os pecados. Mal desarrumo as malas e já as refaço. Depois de meses dou um pulinho lá pelas terras potiguares, cobrar da Mãe os cafunés em atraso. A sensação é quase a mesma que me levou a escrever crônica publicada em coluna própria no heróico e renitente "Gazeta do Alto Piranhas". Reproduzo a seguir
______________________________________

Cidades
(publicado originalmente em 05 julho 2002)

Escrevo madrugadinha, malas prontas a esperar o fechamento do texto e seu envio à redação. Após o que, me levo a mais uma visita à cidade de origem, seus becos e esquinas, reentrâncias e saliências. A medida em que os anos passam, a sensação de ansiedade que se gerava ante a expectativa do retorno (mesmo que breve) é substituída por uma vaga melancolia, como que antevendo estéril desencontro. Correm os anos e falta assunto. Tenho pouco a dizer a minha cidade natal e, me parece, ela menos ainda. É como encontrar aquele amigo de infância depois de tempos de separação. Superada a fase da efusividade, fica aquele vazio causado pela falta do que dizer em função do total e mútuo desconhecimento do que se anda fazendo. E assim parte-se para as banalidades inócuas do tipo “tem visto fulano?”, mesmo se lixando para seu paradeiro. Ocorre o mesmo em relação à terra nativa quando dela nos afastamos por tempos. Quase não temos assuntos que sustente meio copo de chopp. E partimos para os lugares comuns. Literalmente, passamos a ser meramente mais um transeunte em lugares mais que comuns. A cidade reage a nossa ausência negando-nos suas intimidades. Reserva pra você a mesma receita insípida e impessoal que guarda aos turistas. E como reclamar?

Ver uma cidade mudar de forma homeopaticamente paulatina, todas as manhãs ao acordar, ameniza o choque da mudança. Você também muda a cada manhã, de forma que tudo se encaixa num ciclo de renovação que, creio eu - esse descrente - se encerra no último suspiro. Devagarzinho a urbe se estica para os lados e para cima, adota modas, descarta manias... Tudo muito lentamente sob nosso remelento olhar matinal. A vila muda, mas pouco damos a crer, pois a capacidade de absorção humana tende a transformar o novo no velho o mais rápido que se não se deseja. Em contraponto, assistir uma cidade vestir-se de novas formas e cores, a intervalos de meses ou anos entre cada relance de olhar, é comprar, de início, sobressaltos, e a posteriori, percebe-la de forma rasa, na sua acepção mais básica: um monte de concreto disposto de forma sistemática em ruas e praças. Assim, encerro essas linhas e tomo a estrada a mais uma vez visitar esse aglomerado de logradouros que me é vagamente familiar.

Mas, diante de toda a estranheza, recuso-me a deixa-lo de vez. Sempre retorno. E retorno armado de pá e picareta, tratores e beligerância. Ando por bairros inteiros a demolir impiedosamente essas descabidas e recentes estruturas que me engoliram pracinhas e terrenos baldios. Escavo calçamentos e asfaltos em busca da terra de areia fina tão apropriada aos jogos infantis. Correndo coração adentro, ressucito pessoas e lugares, costumes e cheiros, sabores e sensações. E depois que a poeira baixa dessa sanha demolidora, minha cidade brilha novamente em suas feições originais, tão caras a tantos... Exultantemente livre, ela ri para mim, sua face dividida em duas por uma indiscreta lágrima de felicidade, corrente e líquida como o Rio Mossoró que a separa em partes...


Nenhum comentário: