quarta-feira, abril 04, 2007

Crianças

Sabe o que me mata de inveja em uma criança? Sua objetividade. A simplicidade letal com que eles respondem aos mistérios da vida me deixa morto, afogado em nostálgica invídia. Não procure meio-termo nos pequenos. Aquela prima é uma chata, picolé de cajarana deveria constar do cardápio diário e a irmã pequena veio trazida por uma cegonha. Ponto final. Tudo é politicamente correto. Aliás, nada é politicamente correto pelo simples fato de ser irrelevante situações de correção político-diplomáticas. Não há stress, ou gaguejantes soluções a gafes, pois essas tão constrangedoras quanto freqüentes e adultas situações, tangenciam o mundo colorido dos “miúdos”. Na verdade é preciso ser um Hércules para conseguir constranger uma criança. Que animal soberbo é a cria humana... Bichinho danado, sem papas na língua, avesso a panos quentes. Nada é capaz de tirá-lo do sério, que não sejam as questões mais prementes do Universo, como a diminuição do intervalo do Recreio. A vida em grupo se constitui naquilo que ela realmente é: uma porção de egos em busca da melhor forma de acomodar suas diferenças. A mesma coisa para os adultos, não fosse o tempo que perdemos a esmiuçar o óbvio. Reviramos a bola mascarando situações só pra descobrir depois que na verdade não íamos mesmo com a cara do fulano ou da fulana, que na verdade é um (ou uma) grandessíssimo crápula. Menino não cai nesta esparrela. Se não simpatiza, ali, na bucha, ele espirra um “fora” sem o menor rodeio. Em contraponto, nós os adultos, agimos a socapa. Furtivos, buscamos antecedentes e conseqüências para as coisas deixando a Existência a beirar o insuportável, para a felicidade dos psiquiatras e analistas de plantão além da euforia da indústria de soníferos e antidepressivos. Acho que é por isso que as crianças, em média, vivem mais que os adultos... Faz um teste. Apanha um daqueles questionários bestas que circulam em colunas sociais ou mesmo pela internet. Aquilo tipo “cor preferida”, “onde se vê daqui a dez anos”, “quem levaria para uma ilha deserta”, “livro de cabeceira” e outras amenidades mais... Junte umas cinqüenta questões desse quilate. Encontrou? Agora senta e responde. Pronto? Agora manda pra mim que vamos publicar no jornal com o seu nome em baixo... Viu? Das duas uma: ou você correu e rasgou o bicho, ou ficará sentado até o dia seguinte buscando as respostas politicamente corretas. Por exemplo, em “livro preferido” não fica bem declarar que o único livro que leu foi “Fernão Capelo Gaivota” e que começou um George Orwell mas não passou do primeiro capítulo pois o achou um pé-no-saco. Seria inteligente escrever em “compositores prediletos”, Bruno e Marroney? Não seria melhor Chico Buarque ou Ira Gershwin? Soa mais “cult”, não é mesmo? E sueca em “jogo preferido” com certeza impressiona bem menos que xadrez... E olha que por falta de espaço nem estou levantando as questões menores do tipo “chuchu é com X ou CH?” A dura verdade é que estamos sempre a retocar a imagem de nos mesmos, essa que pretendemos ser vendida. A busca incansável da plena aceitação do meio que almejamos ser o nosso, nem que para tal tenhamos de vender a alma ao diabo, alisando a cara-de-pau. Uma sem-vergonhice que jamais passaria pela mente assassinamente objetiva de uma criança.

- E aí, meu fiho, diz pra tdo mundo como você gosta da tia...

- Ela é feia, tem bigode, uma verruga no queixo e aqui tá uma merda... Quero ir pra casa ...

Que inveja...

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