
- Alô...
- Por gentileza, é da casa de ...
- Não, não é da casa dele.
- Como assim?... o senhor nem deixou eu terminar...
- Eu sei... é a força do hábito. Todos os dias ligam pra cá pensando ser esta a casa de...
- Espera que agora sou eu quem interrompo... O senhor não pode ter certeza de que este telefonema em específico se refira justamente à...
- Alto lá... Já ouviu falar em estatística, lei das probabilidades e coisa e tal? Não tem erro...
- Se tem tanta certeza assim joga na loto, pô... Que conversa mais doida...
- Doido é o senhor em achar que eu não tenho controle sobre quem liga para mim... Segundo meus cálculos existe 87% de probabilidade de que o senhor seja mais um daqueles que ligam errado todos os dias...
- Agora pegou... Me diz uma coisa. Você jogaria sua vida nas probabilidades? E nessa então de 87%? E vou mais longe: como ficam os outros 13%, héin, héin???
- Meu caro não se pode prever tudo... A estatística é uma ciência não uma fórmula mágica. Portanto, dê prosseguimento ao ritual pelo caminho mais curto: diga “ligação errada”, peça desculpas e desligue...
- Ah não, ah não... Com estatística ou sem estatística, ou o raio que o parta, o senhor vai dizer de onde fala... Pode confiar nos seus porcentuais, mas eu não... Se fosse assim ninguém usava bina...
- Meu amigo...
- Meu amigo coisa nenhuma... Quero saber de onde fala. Se a maioria das ligações telefônicas desse errado o sistema não funcionaria...
- Sim, mas...
- Mas, nada... Já que o senhor gosta de estatísticas tome essa: posso afirmar sem receio que mais de 90% das ligações efetuadas se dirigem ao numero correto...
- Eu sei, mas tem de se ver que...
- Tem de se ver coisa nenhuma... A probabilidade de uma ligação errada seria então baixíssima se observado o conjunto e não somente o micro-cosmo de sua linha telefônica...
- Meu caro ....
- Não me venha com enroladas que agora quem fala de estatísticas sou eu... Além do quê estamos envolvidos no processo de troca de informações, coisa fundamental para a vida moderna... Não dá pra arriscar, portanto.
- Sei, mas ....
- Já pensou se eu não me enquadro nos seus 87% de ligações erradas e realmente precise falar com o senhor???
- Ouça um momento ...
- Ouça um momento o senhor... Já imaginou a possibilidade de eu estar ligando pra falar com o senhor mesmo para, por exemplo, lhe comunicar que foi premiado na loteria? Ou, Deus me livre, pra anunciar uma tragédia em família? E aí? Como ficam suas probabilidades estatísticas???
- Tá bom, tá bom o senhor me convenceu... A vida não pode se medida em números... As coisas que pertencem ao porvir não podem estar contidas numa formula matemática... Peço perdão e sugiro que reiniciemos a coisa, agora de forma correta....
- Concordo e aceito suas desculpas... Vamos lá então: Alô... de onde fala por obséquio???
- É da residência de Adamastor Janjão
- Desculpe, ligação errada.
(crônica publlicada originalmente em outubro de 2003,
semanário Gazeta do Alto Piranhas)
semanário Gazeta do Alto Piranhas)
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