sexta-feira, maio 04, 2007

Náufragos

Se fosse possível pinçar a situação para os domínios sempre precisos da Física, estaríamos diante de um daqueles mistérios que a natureza sempre tem à mão para - quando em vez - refrear a soberba da Espécie. Que a "Pelota Azul" encolheu é fato. Que as populações se superaram em número, já não permite descrença. Seria permissível então aplicar aqui a mais primária matemática só para nos transportar ao óbvio de estarmos mais pertos uns dos outros, distâncias não mais se constituindo problema, então. Como tudo que se refere ao Homem, a situação escorre pelas beiras de uma fórmula exata. Au contraire, cá estamos todos, mais sozinhos do que nunca estivemos.
Uma das maiores cretinices da história das falácias humanas é aquele negócio do "homem animal social". Não que não tenha um fundo de verdade, o dito. Só que a regra se tornou fashion e é aplicada sem a menor piedade sobre qualquer coisa que cheire a Sapiens. Na verdade somos animais nada sociais. A vida em grupo é uma necessidade que, se não satisfeita, levaria a uma derrota por largo placar na partida da sobrevivência. Mas como "a gente não quer só comida", dia-sim-oito-não, nos reunimos em grupo pra saciar nossa sede de competitividade inócua. É a oportunidade de medir o tamanho da piroca com o vizinho. Sou mais bonito, meu salário é melhor, danço com mais elegância e o meu carro é mais novo. Pronto. Se não for pra comer (e aqui entra aquele sentido dúbio do termo relativo à procriação) ou para atividades diversivas, o homem é um animal anti-social. Quer ver uma coisa??? Faz um teste. Onde você pode enxergar a si próprio com mais clareza? No meio de uma multidão ou na solidão do seu banheiro? Quem está ali desnudo das convenções e das regras de convívio se não o verdadeiro Você perdido nos pensamentos que giram de forma alucinada em seu juízo nos minutos que antecedem ao sono? Não tem nada de estranho nisso. Somos únicos. E tão únicos e cientes dessa exclusividade que quando entabulamos nossas "relações sociais" tem início uma desabalada procura por alguém que chegue perto do modelo que traçamos ( !?!? ) para nós mesmos. Não somos muito chegados às diferenças, portanto. O fato do planeta ter encolhido por força do caldeirão tecnológico, vem realçar nossa indefectível solidão que agora beira às raias do insuportável, na maioria das vezes deixando passar ao largo la joie de vivre. Sim, pois tudo demais é veneno. E começa a busca louca pela proximidade, pela interação, pelo convívio. Corremos ao micro e saímos mundo a fora em busca de nós mesmos, tomando por base a silhueta que se desenha na tela que brilha a nossa frente. Corremos os chats, vasculhamos comunidades virtuais, trocamos e-mails, nos cadastramos em sites de relacionamentos brandindo a Internet como um Neanderthal deve ter brandido uma ferramenta de pedra na busca por uma acomodação na vida. Transformamos em bits e bytes a solidão que nos foi imposta quando se instituiu a Individualidade, e nos lançamos nesse revolto e sem fim oceano de pulsos eletrônicos. Foi o Bottlemail que me trouxe a essas linhas. Faz tempo que esse software está disponível na Rede pra quem se interessar possa. É um freeware, portanto pode fazer o download tranqüilo (como se isso importasse...). O Bottlemail é um atestado do isolamento do homem contemporâneo. Você instala o programa e o ativa. Escreve uma mensagem que é colocada em uma garrafa que sai "boiando" no universo virtual podendo aportar em qualquer canto do mundo. Você não controla seu destino. Finalmente ela bate em outro computador, podendo então ser lido por alguém alhures o que foi originalmente escrito (um pedido de socorro???).Claro que você já viu isso antes. Não é um recurso muito próprio aos náufragos em seu infinito isolamento insular? A garrafa e a mensagem é a ferramenta do sobrevivente que já não suporta conversar com o coqueiro.O sucesso do Bottlemail não deixa mais dúvidas. Somos náufragos cibernéticos, espremidos na ilha de si próprios e tendo tão somente a si como coqueiro, esse que você já não suporta...

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