quinta-feira, setembro 27, 2007

Geração Saúde

Passavam por mim todas as tardes, lépidos e faceiros em seus tênis e malhas. Em contraposição ao passo que eu desenvolvia com a elegância de uma lesma, o trotar de ambos trazia o garbo reservado aos palcos. Era assim todo fim de tarde, quando arrastava minha indefectível indolência às ruas no sofrível intuito de, caminhando alguns metros por vez, mascarar o sedentarismo que - se tão ao meu gosto - tanto atacado pelos que me são caros.
Passavam leves como uma brisa e sumiam em marcha curta ao fim da rua, suas silhouettes contra o sol que pedia arrego, tardezinha. Passavam e sorriam-me um incentivo que muito mais me parecia um esgar, réquiem de dentes á minha adiposa envergadura que penosamente se liquefazia em sudoríferos protestos.
O casal espargia saúde e boa vontade. Um conjunto perfeito de bíceps, tríceps, quadríceps e outros “ceps” que não me vem ao juízo e que a preguiça me impede de pesquisar para prolongar a frase. A perfeita compleição física daquele Apolo e sua Vênus, realçando minha completa assimetria corporal, me faz ter em conta que sou um exemplar bizarro de uma espécie desleixada, em irreversível processo de extinção. O homem contemporâneo acorda para aquilo que tirava o sono de gregos e romanos: a perfeição física como um hino de carne à excelência humana. Sim, pois qualquer um dos dois encheria de alegria a inspiração de um Fídias.
Acabamos a busca então. A “Geração Saúde” - seus pesos e complementos alimentares - parece enterrar de uma vez por todas as inquietudes individuais quando o centro do universo se desloca para os definidos umbigos de cada um, contraídos a cada abdominal. Nada existiria de muito importante fora da rotina de manter células e tecidos funcionando azeitados (com oliva, colesterol zero, naturalmente) e em ponto de bala para... para... para simplesmente existir, não importa.
Se alcançamos os píncaros da realização tecnológica e se observarmos o interior das academias e ginásios seremos invadidos, engolfados, pela sensação de que, a excluir um ou outro desarranjo social (coisas desagradáveis e nada saudáveis de Terceiro Mundo que resolveremos depois do “jogging” matinal) com certeza perceberemos que, afinal, a Espécie tem se virado até bem. É só olhar os comerciais de TV, recheados de musculosas beldades. Sim, nada mais a fazer senão cultuar o próprio amontoado de tecidos em que nos constituímos. É triste, mas a aventura humana acabou e é hora de nos aquietarmos colhendo os louros da existência vitoriosa. Pode parecer tedioso, mas com certeza é saudável.
Eram esses os pensamentos que me assaltavam quando refestelado numa mesa de lanchonete procurava desesperadamente, ao fim de minha caminhada, afogar as dores nas pernas em um copo com água de coco que por minha vontade, dividiria as paredes de vidro com alguns mililitros de whisky. Percebo então o perfil de estatuária clássica dos meus conhecidos, bem ali, de pé, ante a falta de assentos. Com um gesto convido-os a sentar comigo. Menos proceder de gentileza, mais uma forma de sentir-me mais perto da perfeição. São simpáticos os dois. Distribuem sua vitalidade sem parcimônia, de forma solta e espontânea a entremear as frases curtas do diálogo que procurávamos entabular. Depois de quinze minutos de descomprometido fraseado peço licença para retirar-me. Levanto-me e caminho de volta para casa e para minha indolência cotidiana. No peito a certeza que tudo ainda estava por resolver. O encontro pôs a vista uma injustiça orgânica: as células cerebrais deveriam merecer a mesma atenção dispensada as que compõem as fibras musculares.

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