quinta-feira, novembro 22, 2007

Dia de Santos e Silvas

O título, tomei emprestado do Gonzaguinha. Já o dia é da Santa Cecília, esse 22 novembro. Ocorre que a entidade em apreço é padroeira dos Músicos. Por tabela, comemoramos essa data como o Dia dos Músicos. Parabéns então e assunto encerrado. Vamos ao champagne. O problema é que antes que a rolha salte da garrafa me vem ao juízo o vazio da comemoração. Comemorar o quê? A ciranda maluca a que nossos artistas dos sons se submetem para garantir uma sobrevivência pra lá de desafinada? A “cortina de aço” que se ergue entre o artista e seu público e que tem o seu sobe-e-desce atrelado aos interesses escusos de gravadores e conglomerados de mídia? A falta de representatividade, enquanto categoria profissional, individualizando problemas e propiciando o descaso para com a profissão? Sei não... Melhor deixar a viola no saco, digo, o champane na geladeira (ou na adega, se você é ou o Zezé ou o Luciano...) e sossegar o facho.
Venho de uma família de músicos. Graças a todos os deuses, amadores. Minha mãe foi obrigada a estudar acordeom (ela queria piano) quando o instrumento era o frisson das mocinhas, suas valsas e maxixes. A própria avó era contralto no coro da catedral, lá em Mossoró. Seu esposo, meu avô, portanto, era um fino violonista. Violonista também o era minha tia-avó, casada com um trompetista. Isso só pra falar dos que me eram bem próximos. Se alargarmos o espectro para os parentes mais distantes, aí meu compadre, vem uma malta de saxofonistas, clarinetistas, violinistas, e o diabo-a-quatro. Eu não tinha como escapar. Tá certo que eles já não mais tocavam todos os dias. Minha mãe mesmo só brandia sua Todeschini pra distrair eu e meu irmão das nossas traquinagens. Lembro bem quando “faltava luz”, sentávamos na calçada ao redor de D. Dione que extraia do acordeom a “Valsa da Despedida”, “Branca” e outras do naipe. E as discotecas? A minha disposição estavam lá as dezenas de discos (muitos ainda em 78 rotações) do meu avô, de minha mãe e do meu pai. Eram três conjuntos, três belíssimos acervos que se colocavam entre mim (com pouco mais de dez anos) e o toca discos Garrard. Ray Charles, Jorge Veiga, Silvio Caldas, Casino de Sevilha, Adoniran Barbosa, Dolores Duran, Los Panchos, Metais e Surdinas, Maysa, Núbia Lafayette, Glenn Miller, Benny Goodman, Carlos do Carmo e pode desembestar outros nomes... (nossa... que saudade)....
De ouvir a querer fazer foi um pulo. Aos 13 anos meu primeiro instrumento (que trago e uso até hoje): uma flauta yamaha. Depois veio a percussão, o pífano, o violão, o trompete, o cavaquinho, o contrabaixo e, finalmente, a guitarra elétrica. De lá pra cá, nunca parei de tocar. Sempre como amador, graças a Santa Cecília. Uma vez me aventurei em uma agremiação profissional, como vocalista principal. Pra nunca mais. Minha empolgação juvenil pelo estrelato durou ... 6 bailes. Você que está sentado à mesa, diante de sua cerveja numa festa, ou deslizando pelo dancing em pas de deux nem imagina que em cima do palco tem um monte de gente trabalhando, não é? A gente sempre acha que eles estão lá por diversão, que estão adorando passar a noite acordada enquanto exercemos nossa alegria de quem pode, a qualquer hora, ligar o carro e ir pra casa dormir. Nunca passa pela cabeça o cansaço, a pressão do dinheiro curto, os problemas advindos deste último, elementos sempre presentes na maioria das ribaltas brasileiras.
Ok... dinheiro não aparece e as oportunidades de ascensão ao Grande Público são manipuladas. Ficasse a coisa por aí e ainda restaria ao músico o prazer de fazer música, razão de ainda entrar ar em seus pulmões. “Restaria”, atente ao tempo do verbo... Fiquemos aqui nos limites dos nossos “todos os dias”. Com a proliferação dessa musiqueta vagabunda, arremedo esculachado e pífio do glorioso forró, quem quer ganhar uns trocados para o leite dos meninos é obrigado a se curvar ao óbvio, obrigando-se a acompanhar crooners canhestros a berrar composições dignas de uma anta para um público a sacudir os quartos em equina euforia enquanto esparge ferormônios. Nem o generoso e exposto rabo das bailarinas o coitado pode apreciar já que estes ficam, o tempo todo, virados para o mundo, aqueles fartosos fundos...
Mas tudo bem... o Freddy Mercury já berrava do alto de sua competência “The Show Must Go On”... Não concebo um dia sem as setes notas e suas variações... Não me apanho um dia sequer que passe ao largo de minhas caixas acústicas. Por essas e por outras fica o apelo... rogatória sacana depois do exposto: não parem de tocar. O mundo fica mais feio sem trilha sonora.

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