quinta-feira, dezembro 13, 2007

O (I)BOPE do Capitão Nascimento

Nem precisa uma pesquisa IBOPE pra saber quem é o novo herói nacional. O Capitão Nascimento anda em alta desde que vazou do estúdio uma cópia do filme “Tropa de Elite”, do José Padilha, roteiro pinçado das páginas do livro “A Elite da Tropa” de autoria de Luiz Eduardo Soares, Rodrigo Pimentel e André Batista. O ator global Wagner Moura encarna o dito oficial, convenhamos, com certa competência. E convence. Tanto que “Tropa de Elite” já passou pelos DVDs do país todo e lotou as salas de exibição, mesmo com aqueles que já conheciam a história. Não pretendo aqui uma crítica cinematográfica do trabalho do Padilha, que, diga-se de passagem, reputo excelente. Longe disso, gostaria de tecer algumas linhas acerca do frisson causado pela película. A fita tinha tudo pra ser polêmica. Atira-se pra todo lado e não se poupa ninguém. O BOPE (força especial da polícia carioca) aparece sem lantejoulas, descendo o braço a granel. O Crime é demonstrado de forma bem crua, sem a esgarçada máscara de atenuantes pseudo-sociológicos tão ao gosto de quem nunca dele foi vítima. As ONGs aparecem como ingênuas instituições, hesitantes, se não coniventes, com o Delito. A população da favela mostra seu rosto marcado pelo horror de quem se encontra preso em uma “terra de ninguém” bem no meio de intenso fogo cruzado. A Universidade salta da tela como foro de largas, inócuas e “viajantes” discussões acerca dos desencontros da sociedade moderna. O Político senta à mesa em uma espelunca de subúrbio a manusear corrupção junto à polícia convencional, no filme. Uma loucura, não? O pior é que, descontados os exageros permitidos a uma obra de ficção (?!?!?!) todo mundo identifica forte nuance de realidade no que desfila ante seus olhos. E não deu outra: elegemos o Capitão Nascimento como o Homem do Ano. Aí, muita gente pinotou. Sinceramente, não entendo esse ataque de frescura. Queriam o quê? Desde que os irmãos Lumiere ligaram a luz da tela que a figura do herói solitário, do policial imbatível a quebrar regras e ossos encontra ressonância positiva entre o público. É o xerife do Bang-Bang, o Dirty Harry do Eastwood, o Duro de Matar do Bruce Williams, o ranger do Chuck Norris, só pra lembrar alguns. A diferença é que o Nascimento é brasileiríssimo, facilmente identificável na tela. Além do quê, a gente já encheu o saco de ver a merda saindo pelo suspiro, o Crime entrar e sair de cena no papel de “mocinho” enquanto que no cotidiano todos apanham da impunidade que garante livre curso tanto ao Ladrão de Galinhas quanto ao Colarinho Branco. A classe média hoje paga o que se pedir por um pôster do Capitão Nascimento. É verdade. Uma triste verdade. Tivéssemos um aparato legal eficiente onde a população pudesse dormir com os dois olhos fechados e não precisaríamos dele, o Nascimento. Mas ninguém liga pra gente. Roubam, violentam, agridem, cortejam nossos filhos e filhas com a bosta do entorpecente - que alguns idiotas e/ou mal-intencionados defendem - e ainda querem que a gente encare a coisa de forma compreensiva e cristã. Não somos Cristo. Não somos a reencarnação massiva do Buda. Não temos o capital necessário para nos encastelar em mansões eletrificadas com um corpo de seguranças a levar nossos filhos à escola em carros blindados. Se o Sistema não produz todos os criminosos do país, pelo menos ele cria o ambiente da favela, do gueto, tão propicio ao florescimento do Crime, resguardado na ecologia muito própria a uma guerrilha urbana diária onde tombam pessoas honestas, de farda ou não.
Sim, o Capitão Nascimento é um perigo quando se arvora juiz e júri. Ele pode errar e tornar defunto quem não tem nada a ver com o quadro. Mas, na atual conjuntura, só temos a ele, que no fundo também é uma vítima. A polícia, enquanto instituição e neste contexto, é uma vítima, sim. Não me venham com essa história de “aparato repressor do establishment”, pois passei da idade de tiete de certas frangagens. Tem gente de má índole de farda, tem sim. Assim como tem gente de duvidoso caráter nas Universidade, nas ONGs, na Escola, no Congresso, e olhe lá, até no Céu pois mau(l)-caráter tem uma cara-de-pau capaz de enganar São Pedro, na portaria. Mas não condeno todo o cesto por uma ou duas (mesmo três) maçãs estragadas. A Instituição Fardada é vítima quando colocam em seus ombros a responsabilidade de maquiar os desarranjos de uma sociedade injusta que produz todos os dias uma leva de desesperados facilmente cooptada pelo Crime. Essa massa cresce exponencialmente e fica ao Homem de Farda a tarefa de detê-la. A quem se deve atribuir o ajuste, impigem o conserto.
O fato é que, assustado, o brasileiro recorre ao Capitão Nascimento e seus métodos duvidosos. Se a gente parar um pouquinho logo, logo enxerga a necessidade de cautela antes de pedir o autógrafo. Mas quando vem a mente os familiares e amigos vítimas de uma marginalia que trafega lépida e faceira por ruas e praças, a gente começa a achar o Nascimento um moço extremamente simpático.

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