segunda-feira, dezembro 24, 2007

Querido Papai Noel

Eu sei, eu sei... Aos quarenta e três anos essa carta pode parecer um pouco estranha. Mas é que depois de apelar para os Homens de Boa Vontade, para os Santos Padroeiros e para todos os Orixás, o último laivo de esperança reside no Pólo Norte, em sua adiposa e simpática pessoa. Acredito no senhor, em seus veados, digo, renas, e em seus duendes auxiliares. Pelo menos para mim o senhor sempre existiu e existirá. Se tem gente que ainda acha que o Calheiros é inocente e que o Brasil tem jeito, que mal faz acreditar em Papai Noel? De forma que cá estou, preparando minha listinha de presentes, pois que adulto também é gente e merece suas natalinas prendas.
Tenho direito à sua atenção? Creio que sim. No computo geral dos fatos, percebo que me comportei bem neste ano que finda. Declarei o Imposto de Renda na data certa e com os dados reais. Não atrasei o aluguel e todos os cheques emitidos tinham cobertura. Não bastasse ainda me impus algumas penitências. Reduzi a cota de cervejas nos fins de semana, assisti a um ou dois discursos do Lula inteirinhos e fui a uma festa no clube onde se alternavam no palco quatro bandas de forró noite a fora. Confesso que este último flagelo foi o mais difícil, me purgando dos meus parcos pecados pelas próximas quatro encarnações, uma pra cada banda.
O que pode um Classe Média almejar em sua árvore de Natal no amanhecer do dia 25? A dificuldade não está no que colocar na lista, mas sim na escolha do que deixar de fora. A bem da verdade e para ser justo com a Classe Média, atendendo todas as suas negligenciadas necessidades não bastaria uma árvore de Natal na sala mas sim toda a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica juntas, e olhe lá. Mas se não pode tudo, vamos pelo menos ao mais premente.
Se importaria o senhor de deixar aqui em casa um plano de reajuste salarial que restituísse meu poder de compra, ou pelo menos minorasse o conflito mensal entre débito e crédito no ringue da minha planilha de orçamento doméstico? Pode vir embrulhado em papel jornal que o conteúdo é o que importa. Se ficar muito pesado pro senhor tenho certeza que minha filha de três anos abre mão dos pedidos dela já que, corrigido meu salário, tomo de conta deste departamento.
Caso sobre canto no trenó seria pra mim motivo de felicidade um bônus vitalício no plano de saúde da família. É que as prestações são criminosas e as limitações múltiplas e infindas. Ultimamente tenho medo até de contrair uma gripe e ter de descobrir que estou fora da cobertura do dito seguro saúde. E aí, meu caro senhor, é SUS e vela preta.
Esse pode parecer um luxo, mas não é. Se porventura não for chateação ficariam muito feliz com um carrinho popular - precisa ser da safra não - para substituir o meu que já anda com uns bons oito anos nas costas. Carro pra gente é instrumento de trabalho. Tem de se virar pra chegar na hora certa depois de deixar a Maya Jordana na escola e correr ao supermercado. O mecânico não agüenta mais minha cara de desespero e eu já não suporto a indefectível interrogação toda vez que vou à oficina: “Porque não troca esse carro?”. O filho da puta acha que adoro me atolar no cheque especial pra manter aquela carroça trafegando. Desculpe. Me alterei e o senhor nada tem a ver com isso. Mas imagine seu trenó dando o prego no meio do rush natalino...
Poderia me demorar vinte natais a compor uma lista completa do que se carece aqui em casa. Mas entendo que o senhor se encontra assoberbado de tarefas e entregas. Como tenho certeza que sou o único adulto a escrever-lhe, tenho de me comportar como tal e perceber que não posso monopolizar sua atenção em detrimento das crianças que muito esperam de sua pessoa. Assim, podemos fazer o seguinte: esquece todos os pedidos acima. Deixa em meu natalino vegetal passaportes com cidadania suíça para mim e para os meus, passagens só de ida para o dito país e um emprego de classe média por lá também. Nunca mais lhe encho o saco (que já anda bem cheio) e prometo não esquecer o Brasil. Venho aqui de ano em ano pra passar o Carnaval.
Sem mais para a ocasião, declino meu afeto e admiração.
Paccelli Gurgel

aos amigos e amigas desse espaço, um excelente Natal

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