Desejos

- Olha a mão-boba...
- Humm... Deixa só...
- Não vem com essa Roberval... Conheço as manhas...
- Mas, Meu Amor, tô fervendo e...
- Pois pode pôr água na fervura que sou uma mulher séria... Tá pensando que sou dessas do zíper fácil, héim?
- Que é isso meu amor... olha... hummm.. deixa só...
- Roberval, se comporte... Olha as mordidas... aiii..Para, se não vou embora.
- Tá bom, tá bom. Saiba que isso que você faz comigo é uma crueldade contra a natureza.
- Deixa de papo-furado Roberval. Sei das intenções de vocês homens. Como dizia o filósofo, “vocês só pensam naquilo”.

O silêncio na pracinha deserta é quebrado somente pelo farfalhar das folhas nas árvores que se impelem pela brisa noturna. Os dois sentam-se ainda abraçados, mas em atitude comedida, senão pela presença do guarda que passa nas proximidades. E nada existe fora daquele conjunto de canteiros e roseiras que Deus (e o paisagista local) abençoou com postes de luz benevolamente esparsos.

- Mais um beijinho então... só mais um....
- Certo, mas só esse. É tarde e minha mãe já deve tá uma arara...
- Claro só esse... Vem cá...
- Huumm... péra... ai Meu Deus... Roberval... para... Não morde... Olha a mão-safada... ai meu anjo da guarda... Rober...
- Não liga, lindinha, não liga.... O que importa é o nosso amor... hummm
- óóóóhhh, deixa disso Roberval...Olha o povo...hummm... só essa vez e nunca mais viu?
- Claro minha vida ... cê num sabe que te amo??? Vem cá de novo...
- Aí, Jesus me proteja... ÔHHHH... Roberval, péra... olha a hora... olha o guarda... olha a mão... Só essa vez, viu?....

E o casal fica ali mais alguns minutos, sob a complacência do anonimato, antes de catar os pedaços dos seus desejos e arrasta-los à correção de suas casas. Braços a enlaçar cinturas e passo miúdo no esforço de retardar a separação, os dois caminham pelo canto das calçadas, espremendo em cada sombra a ânsia que se despeja, mútua e úmida, pelo desvario dos seus beijos. E assim, quem dera, seguirão vida a fora a desvendar as coisas do Querer...