segunda-feira, abril 14, 2008

Música Feijão Com Arroz


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Olha, eu sou daqueles que acreditam peremptoriamente que o sol nasce para todos e que todos tem direito ao um lugar sob sua luminosidade. Mas, assim já é demais. A onda do tal “forró eletrônico”, a durar mais um pouco, com certeza me levará o pouco do juízo que ainda me resta. Sinceramente, nunca vi nada igual no que tange a ocupação de mídia e de mentes. Mesmo a febre da discoteca que assolou o país a partir da década de 70 deixava nichos para outras sonoridades onde se refugiavam os que tinham ojeriza aos vocais em falsete do Bee Gees, formalizando o ritmo sob “estrobos” e néons. Mesmo a onda New Wave, típica do decênio seguinte, acomodou-se junto ao público sem, no entanto, asfixiar ouvidos e paciências. Era possível encontrar no “dial” do rádio, ou no controle da TV, outros timbres.
Bem diferente do panorama que encontro logo ao levantar o lombo da rede. O (mal) dito “forró eletrônico” invade cotidianos sem o menor pudor. Se ficasse no plano do lúdico, juro que eu não incomodaria o piedoso leitor com essas mal-traçadas. Mas a coisa caminha para a determinação de posturas. A apologia gratuita ao erótico fácil e ao consumo tipicamente pequeno-burguês (no estilo “minha Pajero é envenenada”) se derrama sobre as massas sonhadoras que se imagina viver em um eterno baile. Mesmo porque essas pseudo-bandas, em sua origem, eram grupos de baile que transcenderam os clubes de terceira categoria e se alçaram ao status do Grande Espetáculo. E aí se tem um contra-senso. Um show, desde que estrelado por uma atração “séria” (em qualquer estilo), traz sempre algo de conceitual. Uma proposta ou uma mensagem implícita (ou mesmo explícita). Já a performance das bandas ao estilo “Feijão Com Arroz” não passa de uma grande festa regada a uma música repetitiva, vazia, besta em sua harmonia e ridícula em sua poesia. Tudo revestido em uma embalagem dourada, no estilo Rede Globo, onde a mediocridade é maquiada por luzes feéricas e máquinas de gelo seco. Mas, sinceramente, para os que tiveram oportunidade de assistir algo mais consistente, a imagem que se passa é de uma bizarrice atroz. São lamentáveis aquelas coreografias primárias engastadas no vácuo de uma direção cênica composta por algum retardado mental. Um altar ao mais deslavado mal-gosto.
Não tenho nada contra os músicos que formam esse exército apoteótico de besteiras. Muito pelo contrário, me causa piedade a situação desses profissionais. São em sua maioria muitíssimo competentes. Não que a música que jorra dos alto-falantes apresente alguma dificuldade de execução. São simplórias, de uma limitação harmônica a comover o mais empedernido dos ouvidos. Mesmo assim, o “set list” dos “shows” são realizados a perfeição. Desafinados não são mesmo, esses rapazes. Ocorre que o grosso desses artistas não gostaria mesmo de estar fazendo o que fazem. Exatamente por se constituírem profissionais da estética sonora, eles, mais que ninguém, tem noção do vazio da música que executam. Mas não se tem como espernear diante de uma situação que coloca como opção à merda que esta aí, o desemprego ou o mofar em bandas de excelente proposta artística, mas de pouca penetração no mercado. São pais de família ou simples cidadãos que precisam (como todos nós) pagar o aluguel e a marmita. Submeter-se ou sucumbir. Essa é a ciranda cruel em que vivem esses moços.

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Mas quem são esses que sustentam o prato minguado do estilo “Feijão Com Arroz”? O conceito de “massa” deve ser aplicado aqui com muita cautela. Inicialmente pode-se cair na tentação de utilizar-se do parâmetro comum à definição de “Zé Povão”, remetendo-se às populações carentes que volitam às margens das condições mais básicas a uma existência digna. Mas é de se ter cautela. A multidão que se deleita nos “shows” é multifacetada e transcende classes sociais, se tomada a renda como determinante dos nichos. Rebolando a bunda e arrastando os pés encontramos espécimes das classes mais abastadas que acham nas letras medíocres gemidas por vocalistas capengas, a apologia aos seus valores e expectativas de consumo. São Pajeros e Hyluxes transformados em elementos pseudo-líricos que alçam esses representantes da classe média à condição de ícones da noite em meio a uma multidão que os observa como legítimos representantes dos que “chegaram lá”.
Posso entender o jovem oriundo dos grotões que se encanta com um pacote de luzes a preencher o vácuo estético de performances grotescas. Mas minha compreensão não se estende ao moço e à moça nascidos com todas as facilidades à mão e que nem por isso exercem o poder de optar por algo melhor. Aparentemente essas pessoas não seriam vítimas fáceis da mídia por possuir alternativas que lhes possibilitam interagir com outras tendências. Mas não o fazem. E por isso não lhes cabe a menor piedade. Com que finalidades o fariam, se tudo é festa e eles se apresentam como a elite-modelo de um público fácil e manipulável? O personagem do “encosta o carro, abre a tampa e solta o som” representa o espécime que habita o topo da “cadeia alimentar”, na visão curta e embaçada da grande maioria dos que ouvem o “Feijão Com Arroz”.
Esse é o universo do que se convencionou denominar de “forró eletrônico”. O termo é asquerosamente vazio, pois de “forró” e de “eletrônico” nada traz. Qualquer infante com um mínimo de esclarecimento sabe o que é Música Eletrônica. São diversos estilos abrigados sob a tarja, que exigem dos que o executam profundo conhecimento musical e técnico. E olhe que mesmo assim ainda fazem muita porcaria. Mas a vida é assim mesmo. Existem bandidos e mocinhos em todas as cantigas. Ocorre que por essas bandas, ligaram uns instrumentos numa tomada e se arvoraram chamar aquela bosta de “forró eletrônico”. É de se balançar de rir...
Mesmo por que aquilo longe está de ser Forró. Me poupem dos argumentos calcados no regionalismo e paixão pela originalidade raiz. Aquele aborto sonoro não é a musica da minha terra. Qualquer nordestino (do litoral ao sertão), com um mínimo de dignidade e de senso estético reconhece a peculiaridade do verdadeiro forró e seus correlatos. A batida da real música nordestina é inconfundível. Suas harmonias são únicas. Alcimar Monteiro, Flávio José, Amazan, Mestre Ambrosio e Alceu Valença (só pra citar alguns), pincelaram essa originalidade em nuances modernos de arranjos e utilização de recursos técnicos (ao vivo e em estúdio), sem descaracterizá-la. São verdadeiros artistas, que vendem shows que podem se transformar em bailes, ao gosto do público. Suas performances são embaladas por uma diversidade melódica e rítmica a envolver um lirismo que vai desde a abordagem de temas mais sérios ao mero declamar lúdico, cantando a alegria tão própria ao latino-americano. A esses resistentes e ao seu público, meu mais profundo respeito.


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Como todos sabem, sou pai da Maya Jordana, hoje com três anos. Nesta condição, dirijo-me agora aos profissionais de mídia e da máquina de entretenimento que alimentam e sustentam essa mania nefanda, o “forró eletrônico”. Permitam-me indagar: Os senhores e as senhoras tem filhos? Se sim, por favor, me ajudem. Por favor, me respondam como agem os senhores e as senhoras quando ouvem seus filhos e filhas cantarolando com a maior naturalidade letras que trazem pérolas vernaculares e líricas da estirpe de “zé priquito”, “roleira” e “forró, cerveja e rapariga”. Como se sentem os senhores e as senhoras sabendo que suas crias freqüentam festas onde o apelo é o pseudo-erótico, apologia ao sexo banal berrada por uma débil mental que se torce enquanto vomita um arsenal de merda explícita? Não incomoda o fato da tônica dessas noitadas se constituir, principalmente, em indicações de que a vida é somente um eterno baile regado a álcool, calcinhas e cuecas? Me digam como agir, lhes peço encarecidamente.
Nada tenho que recear do universo familiar em que minha guria se insere. Não temo o que tenho para mostrar-lhe e ensinar-lhe. Mas minha menina não pode e não vai viver sempre à sombra do lar. Minha menina deve ir às ruas, às praças, aos parques. E é aí que elas são vítimas desse monstro que os senhores e as senhoras ajudaram a criar e sustentam de forma irresponsável. Se fosse só a música o problema não passaria de um incômodo auditivo. Mas, meus caros, como já disse em linhas anteriores, se criou uma postura, um modus vivendi que, admitamos, seduz pela facilidade hedônica. Para o jovem incauto que respira esse ar venenoso, o sexo (só pra citar uma variável explorada) é banal, corriqueiro e assustadoramente acessível. Suas conseqüências nunca são levadas em consideração. Nunca foi tão fácil “dar” e “comer”.
Deus e os meus amigos sabem que longe estou do purismo provinciano que reduz temas como sexo e uso do palavrão à tabus. Tenho horror a essa prática hipócrita. Sou da geração Rock’n’Roll. Sou da turma que acompanhou os melhores da Musica Popular Brasileira. Ainda acredito em livros. E sou tarado por cervejas, além de ter uma boca e uma língua nada assépticas... Mas também trago em mim uma certa noção de oportunidade, de ocasião e da importância dos atos e práticas no que toca aos seus efeitos. Abalizo minha vida por essas variáveis. Espero refletir isso em minha cria nem que para tal tenha de lutar com todas as minhas unhas e dentes contra os senhores, que enchem suas forrozeiras contas bancárias de forma irresponsável. Mais que educar bem uma filha tenho a obrigação de formar uma Cidadã. Alegre, mas responsável. Irreverente sim, mas com inteligência e respeito ao semelhante. Capaz de amar sem culpa, pois o fará de forma consciente e clara. É o que peço todos os dias a todos os deuses. A festa do “Forró Feijão Com Arroz” quero deixar para o deleite dos que a criaram e nela se lambuzam, pegajosos do mel espesso e azedo da mediocridade, da estupidez e da falta de senso.

3 comentários:

Stevie disse...

Olá amigo 'blogueiro' do Opinio, li seu 'post', sobre o fadista SRV.
Adoro Stevie Ray e a sua tomada quase que 'uterina' daquele Blues que ao mesmo tempo já existia e que o mundo da música ainda necessitava. Leonard Cohen, deixa pra lá, senão vou começar a ter vontade de encher sua caixa de comentários.Resolvi postar este coméntário nesta postagem, pois é mais recente. Portanto, tomei a liberdade de colocar o link do Opinio la na minha caixinha "Cultural Box", qualquer coisa passa lá.

Stevie disse...

http://culturalbox.blogspot.com/

Anônimo disse...

é foda é foda é foda, rapaz! é por essas e outras que nós metemos o pau sem pena (aliás, pau sem pena é o que as forrozeiras mais gostam) nessas antas, nesses fuscas atolados na lama (aliás, quem dera fossem eles charmosos e historicamente poéticos como o fusca). por isso nosso blog não perdoa essas mentes dominadas. sabe, pachelli, às vezes chegamos até a desejar a volta de um golpe militar e de um sistema censurador. porque foi naquela época que os maiores artistas da música, literatura e teatro sairam das tocas para a guerra.

abraço!

(equipe humorto)
www.humortoblog.blogspot.com