quinta-feira, junho 12, 2008

JUNINA II – O Moraes Moreira não veio...

Os meus três ou quatro piedosos leitores estão acostumados já com uma certa acidez e virulência que me revisto quando o assunto é a dita massificação cultural que resulta no cenário de extremo mal(u) gosto que vivemos nos dias que correm. Não poupo tiros quando o alvo é a Grande Mídia responsável pela veiculação de certas gosmas. Não hesito em tirar o couro dos que amealham fortunas à custa da ingenuidade e completa falta de formação crítica da população. E falando em população, não me sinto nem um pouco constrangido em apertar as cravelhas dessa “massa severina” tão ávida por facilidades de lépida digestão. De todos, talvez este último segmento – a massa – possa se constituir mais vítima que carrasco. Mas hoje vou direcionar as balas para o outro lado, sempre nos limites da Música que é mais minha praia.
A defesa de uma música de qualidade passa pela ampliação de sua penetração social. Trocando em miúdos, é de se levar essa música ao povo, inseri-la em seus cotidianos. E aí nossos heróicos cults promoters revelam todo o seu amadorismo, toda sua incompetência. O que eles realizam são espetáculos, em sua maioria, para si próprios. Espetáculos sofisticados e eivados de sutilezas que jamais vão atingir o coração do Homem do Povo, o que dirá a mente. Tome-se o show do Moraes Moreira apresentado semana passada no espaço do Xamegão, pois que mais emblemático não se pode querer. Foi um equívoco que infelizmente se demonstra mais regra que exceção. Se a intenção era a disseminação da boa música o tiro saiu pela culatra pois a massa, tenha certeza, odiou. E o pior. Não vai voltar.
Amigos e amigas, o povo gosta de ritmo. Não é pecado admitir isso. Está em nossa formação latina. A nossa herança vai sempre colocar em relevo essa preferência. Na medida em que educamos nossa percepção estético-sonora, vamos reconhecendo outros nuances da lide musical. Uma criança se sassarica toda logo nos primeiros meses com o apelo dos tambores. Não com os violinos. Sem formação estética (e a Escola do jeito que está não ajuda) o povo é vítima fácil dos pseudo-artistas e suas apelações comerciais, peidos saturados de swing. Realçar pra massa o aspecto festivo de nossa MPB não é injúria de traidor. Mesmo porque a dita Música Popular Brasileira (que de popular mesmo não tem merda nenhuma) é de uma riqueza infinda no que concerne às variações rítmicas. Colocar o Moraes Moreira no palco ao estilo voz-e-violão é pedir para o cidadão ir pra casa na terceira música. Mesmo porque o Moraes Moreira traduzido neste desenho (voz-e-violão) é um saco, um porre, um tédio, uma chatice infinda. Voz-e-violão não ficou pra todo mundo. Caetano pode fazer isso. Geraldo Azevedo também. Elomar dá e sobra. João Bosco e Chico Buarque nem se fala. E nem precisei adentrar as praias glamourosas da Bossa Nova. Mas não o Moraes. O trabalho dele é outro.
Pra quem conhece e acompanhou o contexto em que ele se gestou, ouvir “Pombo Correio”, “Chão da Praça”, “Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira”, “Brasil Pandeiro” e outros clássicos, ao violão, é muito singelo. Dá um ar de nostalgia. Mas pra quem está debutando, quem não viveu o momento, essas pérolas, essas fantásticas composições, vão parecer, isso sim, grandessíssimas bostas.
Eu não fui à festa. Sou uma puta velha e já conheço o traçado. Quando soube que o Moraes vinha sem banda, aluguei um filme e comprei um saco de pipocas. Na verdade perdi um belíssimo show que foi o desempenho da Banda Criolina (o que já é outro assunto). Mas me falaram que o Moraes trouxe um guitarrista, que por sua vez trouxe na bagagem uma guitarra baiana. A Baianinha, o “Pau Elétrico” criado pelo Dodô ainda na década de 40, foi uma das maiores invenções da Humanidade desde a roda. Na verdade é um bandolim ou um cavaquinho tornado em guitarra, com captadores e ploogados em um set de efeitos. O frevo ganhou outra dimensão com a guitarra baiana. Nascia o Trio Elétrico. Pois bem. O Moraes trouxe um cara com uma Baianinha. Vocês me perdoem, mas sem o acompanhamento adequado perde-se todo o impacto do instrumento. Emoldurada apenas por um violão a guitarra baiana passa a ser um adereço. Um efeito sutil em determinada peça musical, um arabesco que lembra ao ouvinte uma outra possibilidade para o que se escuta. Algo muito do Progressivo. É belíssimo o efeito... Pra quem compreende a intenção. Ou seja, quatro ou cinco pessoas. A massa passa batida. Agora imagina esse som de barzinho em um evento junino. Ou pelo menos encravado em um contexto junino...
Mas vamos distribuir responsabilidades. O Moraes leva a dele também. Esse tipo de show é permitido ao artista, sim. Mas tem de se ter em mente que ele se dirige a um público seleto, bem específico. Não é coisa pra praça pública junina. Não é coisa pra “converter” a massa. Ele nunca vai balançar nem uma calçada, quando mais o “chão da praça”. Se o artista tem preocupação de ampliar sua obra, ele deve ter formatos e cores diferentes de sua performance preparados para as mais variadas intenções. Tá certo. É caro trazer uma banda completa com todo o seu aparato. E daí? O que é bom custa caro mesmo. Se não pode pagar que se contrate algo mais em conta. Tem coisa boa e de certa acessibilidade por perto. Mas vamos supor que o Moraes não tenha outro show que não esse. Aí então o problema é todo dele que resolveu sentar em cima da bunda e viver de glorias passadas batendo violão em um eterno luau de cinquentões. Na verdade o Moraes Moreira não esteve em Cajazeiras. Estivesse aqui ele em toda a sua plenitude, com todo o seu poder de fogo, posso garantir que o povo ia querer vê-lo de novo. Íamos assistir todo mundo dançando ao som de uma poesia belíssima, de arranjos riquíssimos com momentos intimistas onde o violão-e-voz seria um diferencial muito bem vindo. Repito: Moraes Moreira não esteve em Cajazeiras Aqui esteve uma sombra do artista. Esteve no palco do Xamegão na noite do dia 07, um nome, uma legenda escanchada em um show para uma minoria. Cinco ou seis como, disse antes. E desses acreditem-me: um não tem sequer um disco do Moraes. Gosta porque leu sobre e reconhece seu papel no cenário musical nacional. Outro tem um disco do Moraes Moreira, uma coletânea do tipo “As 20 Mais...”, com destaque pra “Roque Santeiro”. Outro tem alguns discos do artista em sua fase solo e até hoje confunde os Novos Baianos com os Mutantes. Os dois que sobraram tem competência para compreendê-lo e apreciá-lo de todas as formas. Mas esses já são “convertidos”. Minha preocupação é com Severino e Sebastiana.

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