sábado, junho 21, 2008

JUNINA III: arraiais vazios ... e cheios de gente

Você já ouviu o termo “feito à mão”, não é? Os guitarristas gostam dele em inglês: hand made. É aquilo produzido artesanalmente, toda a atenção dedicada ao artigo único. Não importa se é um balaio, um chapéu de palha ou um terno de Savile Row. O toque do artesão é mágico, é especial. O seu oposto é a “produção em série”. Cria-se uma matriz do produto e replica-se a mesma eternidade a fora. A máquina toma o lugar do homem no processo reservando-lhe a coadjuvância. O que sai da linha de produção é algo que pode parecer bonito, mas que é orfão de pai e mãe. Não tem personalidade pois que é uma réplica, uma das milhares, um dos milhões. Esse tipo de coisa se atrela intimamente aos ditames mercadológicas. Respira cifrões, existindo por sua facilidade de venda. Por ser gestada em quantidade, torna-se uma coisa perfeitamente descartável. Pode ser extraviada, quebrada, inutilizada sem nenhum trauma pra quem lhe possui. É so estender a mão e apanhar outra cópia. Pode cair em desuso rapidinho já que a essas alturas o custo da produção foi coberto. Esse conceito “industrial” foi transferido para o universo da Cultura desde o dia em que descobriram que a Arte pode se constituir em mercadoria, possibilidade de acúmulo de lucro sem a rara presença de Picassos, Mozarts, Saramagos ou Gonzagões. Na verdade a massificação cultural é filha direta da distribuição também em massa de determinada variável artística. Nesse caso o elemento “massa” não fica atrelado ao processo de criação. Ele aparece no momento de levar a obra ao consumidor final. Até aqui nada de nefasto. Já pensou se as músicas dos Beatles, os poemas de Drummond, as crônicas do Rubem Braga ficassem a disposição somente dos que frequentavam suas cozinhas? Graças aos veículos de distribuição elas chegam até nós, pobres finitos. Então, algum filho da puta pensou: “que legal esse negócio de distribuição... dá pra juntar grana. O lance é esperar o artesão criar algo, acabar o produto. Mas como demora...” Pronto!!!! Desse dia em diante o veiculo de massificação extrapola sua função precípua – a disponibilização – e passa a ingerir sobre o processo criativo. Pra que esperar o original? Na verdade é so seguir a cartilha: a) Observa-se que conceito tem penetração, popularidade, apelo. b) Contrata-se um artesão disposto a criar algo em cima desse conceito. Não é preciso estar inspirado. c) Faz-se uma propagandazinha pra garantir d) Abarrotam-se as ruas com o produto. Quisera fosse o fim da festa. Observe que o primeiro passo trata de uma pesquisa pra definir gostos e tendências. No momento em que se descobre o poder da mídia sobre uma população sem formação, sem esperança, sem poder de crítica, esse passo torna-se opcional. De posse de poderosos instrumentos de convencimento, é mais que factível impor, sutilmente ou não, novas (ou recicladas) tendências moldadas a partir de um livro contábil. A primeira vítima deste processo é o artesão. O que ficou dentro da “estrutura”, perde a liberdade de criar. Os que ficaram de fora, perdem os canais de distribuição para suas obras. Destes últimos, poucos sobrevivem e os que o fazem passam a compor uma equação de polaridade: ou vegetam a contar moedas (a maioria) ou assistem a uma supervalorização de suas criações (uma minoria). Enquanto isso, nas ruas, campeia o mal(u)-gosto. Os nossos juninos arraiais urbanos referendam essa situação. São projetados para agradar a Grande Massa que recebe de graça a Arte de Linha de Produção. Essas estruturas gigantescas, sufocaram a originalidade dos arraiais menores, artesanais. Esvaziaram as festas dos bairros. Lembro que o comum, não faz muito tempo, eram os folguedos localizadas. Determinadas ruas ou bairros, de forma espontânea, desenhavam seus próprios arraiais. A coisa era tão legal e concorrida que muitos desses espaços eram ansiosamente esperados e valorizados. Quem viveu, viu. O restante, esqueça. Arme-se de paciência, arvore-se penitente e vá curtir o Bonde do Maluco no Xamegão.

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