quinta-feira, agosto 28, 2008

Anticrônica (...de saco cheio)

Confesso, estou exausto. Não a exaustão natural do homem-animal que em perfeita comunhão com a natureza lava a alma e o corpo em suor, o néctar salgado do dever cumprido. Não é o meu caso. Alfige-me a exaustão da vida moderna, meio dor na coluna meio aflição de planejamento não realizado. Aquele cansaço que antes de motivar o justo sono dos justos, move a insônia dos inadimplentes.
Estou cansado, faltam poucas horas para o fechamento do jornal e a tela do computador brilha defronte a minha cara amassada, ainda estéril de letras e frases, a tela. Tem aqueles dias, não tem? A conta no banco estourou, a empregada faltou e o cachorro mijou na sala... E a tela do computador continua ali, meio vazia, renitente em não colaborar, disposta a evitar que o meu texto anêmico se faça presente na edição desta semana. Sinceramente, às favas a edição desta semana...Não tenho vontade de escrever e não escreverei... Sou cristão também e tenho direito aos meus dias de andropausa. Nesta semana, a Coluna estará vazia, inerte, apática, indiferente ao mundo e aos que rastejam sobre ele. A empregada faltou e o cachorro mijou na sala molhando o tapete e ressecando meu humor. A diagramação vai ligar, vão ameaçar demissão, mas mesmo assim me recuso a escrever nem que seja um pálido obituário. Me encontro em greve-de-fome-de-letras. Catatônico, criogênico. Um monumento ao estático, a negação fixa a um mundo dinâmico, em moto perpétuo. Vou me dar ao trabalho de respirar e é só.
O cronista é um escravo da sazonalidade. Escrevemos por estações que se constituem, em sua maioria, ciclos diários ou semanais. Não possuímos musas inspiradoras. Isso é um luxo reservado aos poetas. Nada de sons acetinados ao telefone motivando um cigarro e um verso. No nosso caso a única inspiração telefônica advém da áspera voz do editor a berrar sobre nossos tímpanos “cadê o texto???”...
Por sua vez, o produto do cronista, a crônica, é sui generis. É como um bolo de casamento: uma massa muitas vezes simples compõe o interior envolto por elaborada cobertura. Assim se constrói uma crônica. Toma-se um fato simples do cotidiano envolvendo-o em linguagem literária e fogosa. Ora bolas, fatos simples do cotidiano já não interessam a mais ninguém e a minha “linguagem literária e fogosa” não existe senão em minha nada literária mas fogosa imaginação, de forma que não escreverei nenhuma linha esta semana. E a depender do banco, do cachorro e da empregada doravante não escreverei mais que cartas enviadas à família de um remoto destacamento da Legião Estrangeira no deserto de Botswana.
Pra piorar minha parca disposição, acabo de bater a contracapa de um Rubem Braga. Tenho de decidir: ler Rubem Braga ou escrever. Não dá pra fazer os dois. Alias, poucos são os que o conseguem sem ferir o escrúpulo artístico ou o senso de ridículo. A cumplicidade de Braga com a perfeição é quase pérfida. Seu prosa poética, fluida e profunda ao mesmo tempo, coloca de forma inexorável pessoas como eu no seu devido lugar: longe do teclado. Pois é... Acabei de ler um Braga e não escreverei mais nenhuma linha nunca mais – um conceito volúvel como a alma humana que, dentre outras coisas, pode significar “até mais tarde”.

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