segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Perdido na garoa...


O fato é que emplacar sucessos que jamais são esquecidos tem seu lado não tão animador para os intérpretes: o brilho dessas obras terminam por ofuscar outras de quilate igual ou maior. No caso do Demônios da Garoa o caso é grave. O público cravou os dentes em “Trem das Onze”, “Iracema”, Saudosa Maloca” e “Samba do Arnesto” não largando o osso por nada que pudessem os Diabos da Neblina fazer. E como fizeram coisas, aqueles rapazes...
Poucos sabem que o primeiro estilo musical que me levou ao palco foi o samba. Adolescente, ainda com o pé na infância, montamos no colégio um "conjunto" que se apresentava nos eventos mais díspares: do aniversário do clube filatélico à birosca beira de praia. Naquele grupo me sentia perfeitamente a vontade eis que carregava nos ouvidos e na alma os (muitos) discos do Seu Guaracy Gurgel, meu avô. No meio deles, estavam os Demônios. Ouvia sem parar encantado com o virtuosismo do grupo. O vocal (e já escrevi aqui sobre isso) era igualzinho a vocalização dos Beatles. Ouvia “Não Quero Entrar” e “The Night Before” ao mesmo tempo e sem o menor pudor. Pois bem. Naqueles dias me vem parar às mãos uma fita cassete (acho que foi o Epifânio, o “Tiquim”, por onde andará...????) carregando uma coletânea do Demônios da Garoa. Coisa que não rolava na mídia ou nos bares. Coisa para experts, dizia o moço. Acho que tinha razão pois aqueles sambas não encontrei nunca mais. Quer seja em gravação, quer seja ao vivo, eles sumiram. Mesmo entre supostos connoisseurs, quando eu tomava o violão e os executava (no sentido de “assassínio” mesmo), não se dava notícia dos ditos. E sumiram de minha vida de vez quando perdi o precioso K-7. Se eu queria ouvir aquelas músicas tinha eu mesmo que reproduzi-las cantarolando (um terror...).
Assim que me vi navegando e descobrindo a net, saí em busca daquelas canções. Tarefa complicada. Não sabia o título das obras nem muito menos o álbum (ou álbuns) a que pertenciam. Nunca as encontrei, até então.
Na semana que antecedeu ao Carnaval resolvo retomar as buscas montando que estava o material pra passar aqui em casa (eu, o alto falante e uma garrafa de Bell’s) o Período de Momo. Que dados eu possuía para alimentar minha busca? As letras. Sim. Aquelas que jamais esqueci. Três, em especial, me eram bem familiar:

“Eu me lembro muito bem
Era ‘vespra’ de Natal

Cheguei em casa encontrei minha nega zangada

A criançada chorando

A mesa vazia não tinha nada...”


E outra:

“Ano bissexto nada deu certo pra mim
O fogo queimou meu barraco, meu par de tamancos

E o meu tamborim...
...
Que mais que me aborreceu

De tudo o que foi queimado

Foi a letra do meu samba

Que eu não tinha decorado”.


E essa que era minha loucura, uma continuação de “Trem das Onze”.

“Já posso ficar com você
Hoje eu posso me mudar de Jaçanã

O trem das onze partiu não volta mais

Resolveremos tudo amanhã de manhã
...
E alem disso, mulher querida

Minha mãe recompôs a sua vida

Casou de novo está feliz com seu amor

Estou agora sozinho ao seu dispor”


E tinha mais, muito mais.
A versão “samba garoa” para o clássico “Coração Materno” (que na voz do Vicente Celestino fez muita gente ir aos prantos)

“Disse um campônio a sua amada
Minha idolatrada, digas o que quer
Por ti vou matar, vou roubar
Embora tristeza me cause, mulher”


O doce “Toda Lágrima”

“Toda lágrima que derramei
Juro que você há de derramar por mim também...”

Esses e muitos outros diziam a mim a toda altura: “não nos deixe de fora em sua busca...”


Fui à luta da forma mais agressiva possível. Não ficaria somente no “Tio Google”. Usaria todos os meios (e mails) que me viessem à cabeça. Descubro os títulos...depois, a que discos pertenciam ... E no fim de tudo, alegria infinda, os próprios álbuns. Alguns recuperados de vinis antigos, vinham com uma remixagem doméstica que não me agradou. Faço eu mesmo um trabalho de correção deixando destacadas as vozes, pondo em relevo o violão-tenor, colocando um brilho a mais no afoxê.
A comemoração com o litro de Bell’s foi adiada. Mas vai ser essa semana, minha despedida das férias: Eu, o alto-falante e a garrafa de whisky... Sob as bênçãos do Adoniran Barbosa, sem garoa, mas com os Demônios.

Dada a raridade e a beleza de alguns títulos, faço aqui uma pequena compilação para aqueles que querem ir um pouco além da fatídica (e belíssima) “Iracema”. Clique aí embaixo e desça a pasta.


ps - gostoso e de trazer lágrimas às bilas ouvir a Maya Jordana (cinco anos) cantando debaixo de um sorriso enorme o "Último Trem"


"zé...cum dé cum zé
cum dé cum zé
cum zé.... já posso ficaaaarrrr...."



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