segunda-feira, maio 31, 2010

"Chega de Mágoa"...O "We are the World" tupiniquim


Homi... D. Dione costumava dizer sobre a idade: "tô na frente... se eu morrer hoje já viví mais que você...". Como é bom viver intensamente, antenado com os contextos, participante (mesmo que nem coadjuvante, mas obscuro figurante) e degustante. Nos últimos capítulos da tão falada neste blog biografia do Tim Maia, me surpreendo com o Nelson Motta (o autor) descrevendo o disco (um compacto) lançado por um grupo de artistas como resposta à terrivel enchente que assolou o nordeste em 1985 e que deixou milhares de desabrigados. Coisa nos moldes do "We are the World". Mal o disco saiu, corrí a agencia da Caixa Econômica (Mossoró) apanhar meu exemplar. Era mais que uma forma de ajudar. O disco valia a pena ser apreciado por sua qualidade técnica e artística. Ouvindo o Nelson, busco meus velhos vinís. Será que ainda existia o meu exemplar???? Existia sim (olha ele alí na foto). Todo arranhado, praticamente "inescutável". Caio na net e, felicidade, descubro a música digitalizada de um exemplar do saudoso "disquinho" (tem uns estalos nostálgicos na gravação...). Gente, taí a música "Chega de Mágoa" pra download. Se você nao descer e ouvir, é favor nao falar mais comigo. A gravação é uma aula. Os nomes participantes impressionam por sua envergadura. Antes de descer - ou melhor ainda, enquanto você faz o download, pois que é ligeirinho - vai lendo a descriçao do arranjo pinçada do texto do Nelson Motta. Vai lendo. Depois, tem a letra com os respectivos solistas em cada frase e/ou verso. Como disse, é uma aula de como se faz, arranja e interpreta uma música. Vamos ao texto...depois o link... e por fim a letra. Mas antes de ler a letra, ouve a música e tenta identificar as vozes dos solistas. Vamos ver como você anda de ouvido. Depois confere quanto de acerto...heheheh

(por Nelson Motta)

""""""A agonia pública de Tancredo paralisou e comoveu o país. Depois de sua morte, em abril, [1985] chuvas devastadoras provocaram grandes enchentes no Nordeste, deixando milhares de desabrigados. A solidária e combativa classe musical, que havia participado ativamente da campanha 'Diretas já', decidiu juntar seus talentos em um disco histórico, no mesmo formato do 'We Are the World' dos americanos, que arrecadara milhões de dólares para os famintos da Etiópia.


As estrelas brasileiras se reuniriam para gravar 'Chega de Mágoa' e o resultado das vendas seria doado aos irmãos nordestinos, flagelados não mais pela tradicional falta, mas pelo excesso de água.

Gilberto Gil fez a música, que começava como marcha- rancho e virava um reggae animado, e também parte da letra, completada por Chico Buarque e Milton Nascimento, com palpites de Djavan, Fagner e Erasmo Carlos. Mas, no espírito da época e do projeto, foi decidido que seria assinada como 'criação coletiva'.

O Sindicato dos Músicos, que assumiu a coordenação da produção do disco, convocou 155 cantores e instrumentistas para três sessões de gravação em um estúdio na Barra da Tijuca. O maestro Dori Caymmi foi escolhido para escrever o arranjo e reger a orquestra e o coro. Com uma tiragem inicial de 500 mil, o compacto seria vendido em todas as agências da Caixa Econômica, patrocinadora do projeto.

Na gravação do disco americano, o maestro Quincy Jones pediu a Bob Dylan, Michael Jackson, Stevie Wonder e outras estrelas que pendurassem seus egos nos cabides antes de entrar no estúdio, mas entre os brasileiros a recomendação não foi necessária. Com humildade e objetividade, os artistas decidiram que os solos deveriam ser dos nomes mais populares no momento, já que o objetivo final era atrair o maior número de compradores para o disco.

Sem maiores controvérsias, foram escalados António Carlos Jobim, Milton Nascimento, Rita Lee, Gal Costa, Djavan, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Fagner, as duplas formadas por Elba Ramalho e Gonzaguinha, Caetano Veloso e

Simone, Chico Buarque e Fafá de Belém e Roberto e Erasmo Carlos, com Elizeth Cardoso representando a velha guarda e o duo Paula Toller, do Kid Abelha, e Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, a ala jovem. E, naturalmente, Tim Maia.

Depois da introdução com o piano soberano de Tom Jobim, Milton começava emocionado, acompanhado por Wagner Tiso, cantando as palavras de Tancredo Neves como herança das esperanças da Nova República:

'Nós não vamos nos dispersar,

juntos é tão bom, saber que passado o tormento,

será nosso esse chão.'


O ritmo entrava e Djavan iniciava as invocações:

“Água, dona da vida, ouve essa prece tão comovida.”

Rita Lee pedia com doçura:

“Chega, brinca na fonte, desce do monte, vem como amiga.”

E as 150 vozes famosas atacavam o refrão como uma torcida em um estádio, cada um com seu estilo, no seu ritmo pessoal, todos entusiasmadíssimos. O coro de estrelas soava tão desencontrado que ficava difícil entender a letra:

'Quero água de beber, um copo d’água,

marola mansa da maré, mulher amada,

depois da chuva, o sol da manhã.'


Seguiam-se os solos de Gal Costa e das duplas Elba Ramalho e Gonzaguinha, Chico Buarque e Fafá de Belém, Simone e Caetano Veloso.

As jovens vozes de Roger e Paula entravam harmonizadas em terças:

'Depois da chuva o sol da manhã'

Com a autoridade de uma rainha, Maria Bethânia consolava:

'Chega de mágoa, chega de tanto chorar.'

A 'Divina' Elizeth Cardoso cantava sozinha o refrão inteiro, com Gil fazendo as respostas. E, privilégio exclusivo da grande dama da canção, voltava para solar mais um verso:

“Depois da chuva o sol da manhã.”

O coro voltava com força total ao início da letra. Mal acabava o primeiro verso e uma voz de trovão estremecia o estúdio com uma fulminante frase de resposta. Daí para diante só deu Tim Maia, que tomou conta da gravação, respondendo à la Motown, com gritos e yeahs-yeahs, a cada frase cantada pelos colegas, durante toda a parte final da música. Nenhuma voz é mais ouvida, mais vezes ou mais alto do que a dele. """"""""

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"Chega de Mágoa"
download

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CHEGA DE MÁGOA
(criação coletiva) Gravadora: CBS/Coomusa
Lançamento: 1985 (Compacto Simples)

(MILTON)
Nós não vamos nos dispersar
Juntos é tão bom saber
Que passado o tormento
Será nosso esse chão
(DJAVAN)
Água, dona da vida
Ouve essa prece tão comovida
(RITA LEE)
Chega
Brinca na fonte
Desce do monte
Vem como amiga
(CORO)
Te quero água de beber, um copo d’água
Marola mansa da maré
Mulher amada
Te quero orvalho toda manhã
(GAL)
Terra, olha essa terra
Raça valente, gente sofrida
(GONZAGUINHA)
Chama,
(ELBA)
Tem que ter feira,
(GONZAGUINHA)
Tem que ter festa,
(GONZAGUINHA E ELBA)
Vamos pra vida
(CHICO)
Te quero terra pra plantar,
(CHICO E FAFÁ)
Te quero verde
(CAETANO)
Te quero casa pra morar,
(CAETANO E SIMONE)
Te quero rede
(PAULA TOLLER E ROGER)
Depois da chuva o sol da manhã
(MARIA BETHÂNIA)
Chega de mágoa,
Chega de tanto penar
(CORO)
Canto, o nosso canto,
Joga no vento
Uma semente, gente
Olha essa gente
(ELISETE CARDOSO)
Te quero água de beber
Um copo d’água
Marola mansa da maré
Mulher amada
(GILBERTO GIL)
Te quero terra pra plantar
Te quero verde
Te quero casa pra morar
Te quero rede
(ELISETE CARDOSO)
Depois da chuva o sol da manhã
(CORO)
Canto e o nosso canto
Joga no tempo uma semente
(CORO)
Gente
(ROBERTO CARLOS)
Quero te ver crescer bonita
(CORO)
Olha essa gente
(ERASMO CARLOS)
Quero te ver crescer feliz
(CORO)
Olha essa gente
(ROBERTO E ERASMO)
Olha essa terra, olha essa gente
(CORO)
Olha essa gente
(ROBERTO CARLOS)
Gente pra ser feliz, feliz
(CORO COM TIM MAIA)
Te quero água de beber
Um copo d’água
Marola mansa da maré
Mulher amada
Te quero terra pra plantar
Te quero verde
Te quero casa pra morar
Te quero rede
Depois da chuva o sol da manhã
( FAGNER )
Chega de mágoa
Chega de tanto penar




2 comentários:

Hamilton (Mossoró) disse...

hehehe. Êita tempinho bão e já ido. Comprei o meu compacto também na velha agencia da Caixa, na rua do Cine Pax, la embaixo. MUITO OBRIGADO PELO RESGATE PRECIOSÍSSIMO

juanmarkus777 disse...

Canção mais que necessária, linda,cheia de encantos e de uma poesia muito mais que bela.Impressionante a união de tantos talentos que com um finalidade tão importante, emprestaram as suas vozes para anunciar um momento de reflexão, uma parada para se sentir o que realmente importava e continua importando.Fiquei comovido.A Bethânia como sempre,arrepia. Essa canção fala sobre o Brasil, o mundo, o sertão e não sobre esses pseudo-cowboys que infestam e só desmerecem a música popular desse nosso país. Obrigado pelo comovente presente!