
A amplitude e a imperscrutabilidade do céu noturno torna mais amarga a parcialidade do Homem, seus desarranjos e desavenças. A equilibrada disposição das coisas do Cosmo me faz sentir um tremendo incômodo ante nossa incapacidade de produzir uma convivência social justa e estável. Somos o efeito desestabilizador no universo da Criação. Uma invenção, uma receita que não deu certo e que esperneia em busca da própria correção.
Sinceramente, não sei como alguém é capaz de manter a empáfia diante de um céu estrelado. E olha que tem gente que chega às raias da megalomania, como aquele velho amigo que não suporta o sentimento de solidão que lhe assola toda vez que contempla uma noite de estrelas. Segundo ele, a imensidão do Universo visível (sim, pois só enxergamos um naco dele) remete ao fato de constituirmos a única espécie pensante do pedaço. Não acredito em tamanho desperdício de espaço... Verdes e com antenas, ou mesmo respirando ácido sulfúrico, há de existir vida nas esquinas das galáxias. Se tenho dúvida quanto a "existência da existência" não é no espaço cósmico, e sim nos becos imundos que criamos aqui na Terra. E quanto a nos enquadrar como “espécie pensante”... sei não...
O fato é que sou viciado em “ouvir estrelas”, roubando do Bilac a feliz expressão. Neste caso, me refiro à intenção de ouvir e não ao fato efetivo de coletar nos tímpanos a canção do éter. Sim, tinha razão o bardo. As estrelas falam. Nossos radiotelescópios as escutam por nós. Por enquanto não somos dignos de realmente ouvi-las, nossos ouvidos tomados pelos lamentos do vilipendiado planeta em que vivemos.
E seguimos incautos, por vezes a contemplar ilusões. Segundo os astrônomos (os Sagans que deram certo), muito do que vemos não passa dos últimos espasmos de luminosidade de uma estrela em agonia e morte. Seu último refulgir viaja distâncias enormes até nossas incrédulas retinas. Entretidos a contemplar esses cadáveres cósmicos, passam despercebidas situações semelhantes nas vizinhanças do nosso cotidiano. Por exemplo, em época de eleições circulam por todas as vias certas forças há muito mortas, a despeito de nossa insistência em ceder-lhes atenção. Espero ansioso pelo refluxo de seu nefasto brilho e definitivo fim. Enquanto não acontece me apego as reais e imorredouras estrelas que insistentemente refulgem no negro background da política nacional.
(publicação original em 02 de agosto de 2002, Gazeta do Alto Piranhas)
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