quinta-feira, maio 31, 2007

Tatico: a voz alviceleste do coração

Devo confessar que nunca me envolvi de forma mais efetiva. Se não a nível nacional, o que dizer no patamar local. Aliás, as últimas Copas do Mundo foram corroendo de forma inexorável todo o meu ardor de torcedor, minha ainda incipiente paixão pelo esporte bretão-tupiniquim. O futebol, em meu coração, ficou ali meio que de córner, ofuscado pelo brilho do volley, toldado pelo sucesso dos nossos ginastas, encolhido ante a agressividade do nosso handball.
Mas morando em Cajazeiras e ainda dono dos sentidos, não me foi possível ignorar a trajetória do Atlético Futebol Clube pelas trilhas tortuosas (por vezes misteriosas) do Campeonato Paraibano, em sua derradeira edição. De bom grado trocaria a alcunha carinhosa de Trovão pelo mais que justo epíteto de Fênix Azul, se observado o doloroso renascimento da agremiação futebolística em pauta que, em ascendente movimento, alcançou o vice-campeonato alavancado de forma brilhante da zona de rebaixamento, posição melancólica onde o time se alojou no primeiro turno do certame. Não tinha como não acompanhar, não era possível tirar os olhos dos gramados...e os ouvidos do rádio. Ando meio ressabiado com a moderna radiofonia. Vim de um tempo de “locutores” e não de “DJs”. Sou cria de uma época onde a impostação vocal, exigência do mister, veiculava a alma do comunicador, o estado de espírito que imperava dentro do estúdio. Nada parecido com a locução pasteurizada, de risadas plastificadas, de surradas anedotas, de assépticas (quando não duvidosas) posições. Trazia a crença de que o novo estilo que se esparrama das antenas tinha sufocado de uma vez as vozes que antes se vertiam dos corações e não de modulados diafragmas... Até ouvir o Tatico em ação, narrando uma partida de futebol. Que maravilha. Como é doce saber que lá bem longe, escanchado numa cabine e empunhando um microfone, está uma pessoa como eu e você. Gente feita de paixão, de nervos retesados, de indignação, da justa fúria do torcedor decepcionado, da euforia louca do torcedor brindado com o gol. . Não é um robô programado para tornar som as imagens que correm ante suas lentes, quantas vezes embaçadas. Acho que a conseqüência indelével da audição de Tatico é a cumplicidade a que ele nos convida. A vontade que dá é de desligar o rádio, correr ao estádio e sentar ali, junto com ele, um torcedor por dentro das coisas com a capacidade de, em um átimo, voar da cabine ao campo e estrangular o árbitro da partida com o fio do microfone. De forma imparcial, é claro. Sim, pois o desavisado pode pensar que o envolvimento emocional do Tatico pode gerar uma narração parcial, tendenciosa, à revelia dos fatos. Ledo e crasso engano. Ninguém á mais imparcial e justo que o Tatico. O problema é que relacionamos “imparcialidade” à ausência do emocional. A voz fria e calculada tende a ser imediatamente atrelada à noção do justo julgamento. Uma asnice esférica, sem tamanho, pois. É possível sim, se manter eqüidistante e equânime sem abrir mão das sensações. E uma prova cabal do fato reside no trabalho do Tatico. Já ouviu o moço em questão narrando um péssimo desempenho do seu time do coração, o “Fênix”, digo, o “Trovão Azul”? Se ainda não o fez, precisa. Ele não tenta passar verniz em perna-de-pau. Ele não procura panos quentes, no estilo espúrio do Galvão Bueno. Pode se sentar ou tomar um café se você espera justificativas mal costuradas para a falta de futebol em campo. Tatico não perdoa e, na hora de descascar, não discerne “gregos de baianos”. E é bem mais impiedoso com o time local que com as agremiações alienígenas. Para Tatico, jogar mal é uma prerrogativa de qualquer outro time, mas não do “Trovão”. Ardoroso cruzado do fair play, capaz de aplaudir o bom futebol independente de onde ele possa vir, o homem explode em mil estilhaços incandescentes e cortantes, se a merda for de cor azul e branca... E aí, companheiro(a), o látego cai impiedoso sobre as costas de quem quer que esteja vestindo essas cores. Quer maior demonstração de imparcialidade? O fato é que a voz de Tatico, o seu clássico e enfurecido “... mas como é que pode, Chagas Amaro?!?!??!...”, sua alma exposta, ensandecida torcedora, me faz ver que a era dos “crooners”, dos “locutores”, do rádio paixão, enfim, ainda tem fôlego e não findará, até o apito final dos tempos.

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