terça-feira, julho 08, 2008

1958 – 2008: um triste cinqüentenário

Peço licença ao Reudsman, ao Chagas Amaro e ao Tatico, essas autoridades incontestes em Futebol, para invadir sua praia e cometer esse texto. Vinha me segurando faz tempo, mas a data foi mais forte, as imagens em preto-e-branco, impiedosas. 29 de junho de 1958. O mundo boquiaberto assistia ao choro convulso de um rapazote de 17 anos de idade que minutos antes se fez carrasco de um selecionado em sua própria cozinha. Pelé do Nascimento desabrochava. As arquibancadas do estádio Rasunda, em Estocolmo, vinham abaixo em aplausos delirantes, pleno convencimento da superioridade do futebol bailado em campo pela seleção brasileira que alcançava ali seu primeiro título mundial, logo sobre os donos da casa, os suecos.
Os departamentos de Física das Universidades escandinavas devem ter aberto novos foros em busca de rever os conceitos desta ciência que até então parecia exata. Como defender essa exatidão depois de assistir ao Garrincha jogar, era a grande questão. Como podia aquilo? Não cabia nas leis naturais. As pernas tortas – que deveriam obstar - impulsionavam o moço sempre para o lado contrário ao movimento que ele desenhava com seu corpo. Tudo indicava que ele iria por um lado... Até que, no último átimo, o movimento era revertido sobrando ao adversário tristemente encarregado de contê-lo, ficar ali plantado, pensando seriamente em mudar de profissão.
O George Raynor, técnico da seleção sueca, lapidou a frase que tudo condensa: "O time brasileiro era tão bom que eu tinha medo de começar a torcer por ele." Meu caro George, cinqüenta anos passados, me permita uma carona em sua fala, pois que quem tem medo de torcer pelas ultimas seleções brasileiras somos nós, brasileiros. A mediocridade, a desonestidade, o escárnio com que tratam suas (nossas) cores são tão cretinamente patentes que o que sobra pra gente é o medo de ainda poder gostar da corja. Eu superei essa fase desde que deixei de acompanhar as peladas da Canarinha, perdão, quis dizer Canalhada. E foi sem sentir. Vim perceber quando, semana passada, assistia eu a uma mesa redonda na ESPN Brasil. Lá estava acompanhando o sul-americano de Handbol. Um dos comentaristas levantou a questão. Ver a seleção brasileira de futebol deixou de ser um programa imperdível. Foi então que me toquei. Rapaz! Quanto tempo faz que eu não vejo um jogo. E o pior. Nem me dei por isso. Antes a gente já com antecedência começava a cancelar compromissos. Agora mais não.
Mais irritado que outra coisa, e só pra refinar o ódio, vou até a estante de minha biblioteca particular e procuro “A Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha”, do Ruy Castro. Folheio o livro e de imediato o largo. Para reler a obra é de se ter certas garantias. Não é possível fazê-lo sabendo que mais cedo ou mais tarde tenho de me defrontar com a malta de malandros que hoje vestem a camisa amarela. Esses crápulas e a máfia que lhes dá cobertura representam tempos nefandos do nosso esporte. Entraram para a História como aqueles que macularam uma data gloriosa, mancharam de forma indelével a memória dos que bailaram nos gramads suecos em 1958. Mas esses brasileiros, esses verdadeiros brasileiros serão honrados em campos mais nobres que o lodaçal dos nossos estádios de futebol. Vem aí as Olimpíadas. Lá estarão nossos atletas. Homens e mulheres de todas as modalidades que, perdendo ou ganhando, certamente saberão se conduzir com a dignidade própria aqueles que tiram do corpo na forma de suor, o líquido e salgado sentimento de se sentir brasileiros.

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