quinta-feira, julho 17, 2008

Xamãs

O Tommy Lee Jones, como sempre impecável, interpreta um branco que largando a casa, a família e o papagaio vai morar com os índios Chiricahuas no sudoeste dos Estados Unidos em fins do século XIX. Anos depois, já batido por muitas danças-da-chuva, o Tommy arrasta seu personagem (a essas alturas, já meio índio) ao encontro da filha e das netas, começando então uma aventura gostosa em que se batem os poderes naturais e sobrenaturais do bem e do mal. Estes últimos, encarnados em um feiticeiro Apache que, além de feio de doer, só não faz chover, mas conseguiria estalando os dedos dos pés segurar o preço das tarifas públicas no Brasil com suas capacidades de “brujo”. “Missing” é o nome do filme. Acha-se nas locadoras com o título de “Desaparecidas”.
Sem brincadeiras, a película não é nenhum sonho realizado de Fellini, mas abre uma faceta curiosa nestes dias de Harry Potter e Tolkien. Mergulhados até o gogó nos meandros dos mistérios ocultos célticos-europeus-medievais tão explorados pelo cinema contemporâneo, é simplesmente um doce adentrar o universo dos xamãs primitivos e seus poderes, extraídos do pleno domínio no trato das forças da natureza. Neste plano, você se pega achando tudo muito normal... É que se a gente tirar a roupa, desligar a TV, esquecer o supermercado e passar a correr mato a dentro em busca da sobrevivência, logo se percebe que as coisas não são tão simples e materialmente próximas e previsíveis quanto gostamos de pensar. Me perdoem os profissionais das áreas, mas a natureza e suas relações me parecem grandes demais para caber dentro da Biologia e da Geologia que manuseiam, dissecam e reduzem ao microscópio aquilo que se pode ver e pegar. Sem parecer fanaticamente místico (a idade e as pancadas da existência já me aleijaram a um ceticismo, por enquanto, moderado) tenho minhas certezas quanto às energias e forças que agem sob, sobre, dentro e em derredor das coisas vivas e não tão vivas. As comunidades tidas por primitivas (homens da Pré-História e seus descendentes diretos, os índios), por imposição do próprio passo da evolução, assumiam estratégias de sobrevivência que os colocavam não próximos ao ambiente natural, mas inseridos até as orelhas no próprio. Quem melhor que eles para compreender a dança oculta dos mistérios e magias, entidades e vetores místicos? Eu sei, eu sei, vocês devem estar se perguntando se ando a beber ao teclado. Mas que reação esperar de nós mesmos, homens da Ciência e da Tecnologia, diante de temas como esses, mero folclore merecedor do mais puro e ácido desdém? Não somos os senhores das máquinas, dos cartões de créditos e das ruas virtuais da Internet? O futuro não é incontestavelmente nosso? O presente esse nem conta: já estamos montados nele e de rédeas curtas à mão. Ou seja, aos feiticeiros índios, aliás, aos próprios índios, o lugar que se lhes reserva: a tela dos cinemas e o papel de bandidos em todos os filmes (raríssimas e belíssimas exceções). Essa arrogância, assumimos quanto subimos em cima do salto daquilo que se convencionou chamar de Civilização, uma coisa brilhante mas sem gosto que herdamos da Europa. E, ironia das coisas, insatisfeitos com nós mesmos e com as coisas da “modernaje”, recorremos aos falsos “pajés” urbanos e seus poderes de faz-de-conta. E então, meus caros, nos despimos de tudo e mostramos sem pejo, homens de saber e certezas, o quanto somos ridículos...
ps - A Cate Blanchett está divina na fita também

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