terça-feira, dezembro 23, 2008

Querido Papai Noel (versão 2008)

Não sei a quantas anda sua memória, mas eu sou aquele moço do ano passado que lhe torrou o saco por algumas bugigangas e que o senhor, com toda razão do mundo, negligenciou. Claro que a prioridade deve ser as crianças. Os marmanjos e suas estapafúrdias manias que se virem. Compreendo isso de forma clara e objetiva, de forma que este ano venho com outra proposta, ainda voltada aos adultos, mas que trará aos pequenos muitíssimos benefícios.
O senhor em sua larga experiência deve estar a par dos contextos onde se inserem os diversos povos, suas crenças, seus modelos sócio-econômicos, sua ótica de mundo. Não temos sido muito felizes aqui no Brasil. Pouca coisa funciona na Taba Tupiniquim. E quando o faz, é um acidente de percurso, um feliz acaso. Já nos acostumamos. E pra não perder o juízo de vez, voltamos toda nossa ira aos nossos líderes, às nossas Instituições. Sim. Em grande parte temos razão. Desde que um papagaio trepado em um galho na floresta, olhou o mar e ficou verde de susto com as caravelas que chegavam que a batida do bumbo é a mesma. Mas temos de dar um desconto. O brasileiro tem de assumir suas responsabilidades. Tem de ter coragem de se ver no espelho, olhando mais longe, perpassando as camadas de maquiagem que lhe emprestam falsas feições. Não somos tão vítimas assim. Não importa se foi por força das circunstâncias, o fato é que o brasileiro virou uma maquina de se dar bem onde se tritura, se corta em postas a dignidade, a ética, a boa convivência, tudo no intuito de produzir o mais novo modelo de espertalhão. E aqui, meu caro Noel (sem me permite a intimidade), o que pesa é o conceito. Tanto faz afanar o livro emprestado ou meter a mão no erário público. Se o alcance do fato se amplia de uma situação a outra, o conceito permanece o mesmo: o alheio foi vitimado. Tudo ao som da percurssão, afinal somos um povo alegre e dançante, não é mesmo?
Não, não estou exagerando. E, releve a ênfase do dito, conheço eu essa país melhor que o senhor. Aqui, meu caro, já se nasce com o gene das manobras escusas embutido, pronto a ser disparado na primeira ocasião que se apresentar, seja propícia ou não. Uns poucos controlam seus impulsos. Aqueles de formação mais sólida, possuidores de uma firme convicção do que é justo, de respeito à pessoa humana. Mas são poucos... Muito poucos. E mesmo essa minoria diminui em número a cada ano vítima de forte torcicolo de tanto virar a face em oferta aberta. Mas até aqui tudo bem, se soubéssemos de onde vêm os tapas. Talvez a rotina de bofetes nos emprestasse certa tolerância à dor. Mas nunca sabemos o que tem do outro lado da esquina. Nunca podemos ter certeza do tamanho dos dentes do animal que dorme dentro de cada um, ou mesmo quando despertará a rasgar entre suas fauces o caráter, desfiando enquanto mastiga os motivos mais banais como justificativa à nefanda refeição, porcamente imunda. E assim erramos cegos e tristes pelo continente, se me permite o Chico Buarque o uso das palavras.
De forma que recorro ao senhor neste Natal. A Cristo nem tentei. Não hesito em afirmar que não estivesse pregado na cruz, Ele, sem hesitação, nos daria uma belíssima sova. Não, não tenho cara de aperrear mais Jesus. Se o rapaz em apreço foi imolado pelos pecados da humanidade, tenho certeza que a maior parte deles caberia a nós, brasileiros. O JC já fez a parte Dele. Pode ter certeza que não estamos fazendo a nossa.
Isso posto vamos aos desejos. Seria possível o senhor deixar na casa dos brasileiros e brasileiras um saquinho de Vergonha na Cara? Precisa ser muito não. Só um pouquinho. Mas mesmo assim se o artigo faltar, não der pra quem precisa, o senhor pode completar o kit com alguns punhados de dignidade, umas pitadas de ética, umas gotinhas de respeito ao próximo, por mais distante que ele esteja. Nossas crianças poderão não notar muito a diferença na hora. Mas saiba que, a longo prazo, elas perceberão. E sem sombra de dúvida ficarão eternamente gratas pela certeza de que suas costas encontrarão a cama na hora do sono sem as feridas abertas pelos punhais sordidamente atirados por seus semelhantes.


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