sábado, novembro 14, 2009

Cena II


"""""" Sim, que mais?...

Procurar um protetor, encontrar um patrono e, como a rasteira hera , que se agarra à casca da árvore para apoiar-se no tronco, chegar ao topo ficando de joelhos ao invés de usar a

força? Não, obrigado


Ora! Eu, como todo o resto, dedicar versos aos banqueiros? - bancar o palhaço na balconista esperança de ver,

finalmente, um sorriso que não seja de desaprovação nos lábios do

benfeitor? Não, obrigado!


Ora! Aprender a engolir sapos? - Com o esqueleto cansado subir escadas? - Ter uma pele suja e áspera, - aqui,

sobre os joelhos? E, como um acrobata, ensinar minhas costas a se curvarem? - Não, obrigado!


Ou, - cínico e dissimulado - andar com as lebres e caçar com os sabujos; e, língua untada de azeite, para

obter o óleo do elogio, louvar o grande homem pelo seu grande nariz?

Não, obrigado!


Infiltrar-se lentamente em cada dobra - um pequeno grande homem num diminuto círculo de amizades, ou navegar, tendo madrigais por vela, sopradas à barlavento pelos suspiros de velhas

damas? Não, obrigado!


Subornar adoráveis editores para disseminar meus versos fora do país? Nao obrigado!

Ou tentar se eleger o Papa das tavernas apoiado por imbecis? Não, obrigado!

Trabalhar com afinco para ganhar reputação por meio de um soneto ao invés de muitos? Não, obrigado!


Elogiar torpes incompetentes? Ser aterrorizado por cada jornal sensacionalista? Repetir incessantemente: ‘Oh, tivesse eu a chance de ser notícia no “Mercúrio”!’ Muito Obrigado, não!


Tornar-me pálido, medroso, calculista? Preferir uma visita a um verso? Procurar introduções, escrever petições? Não, obrigado!

E não! E não novamente!


Mas, cantar? Sonhar, rir, viver sem causa, solitário, livre, com olhos que olham sempre em frente - sem medo na voz! Levantar o chapéu como você bem entende - pelo que um ‘sim’ ou ‘não’ pode terminar em briga ou em verso! - Trabalhar, sem um único pensamento no lucro ou na fama, para

seguir em jornada à lua! Nunca escrever uma linha que não pareça ter saído do fundo do coração. Abraçando a modéstia, diga a alguém: ‘Meu bom amigo, seja feliz com estas flores - frutas - não, versos, mas

colha-os não do jardim, mas do teu coração!’ e então, se a glória vier ao acaso, não pague tributo a César nenhum, mas conserve o mérito consigo. Resumindo, despreze os filhos dos parasitas para ser feliz, como fazem o carvalho e o olmo - não para crescer às alturas, talvez,

mas para crescer sozinho!"""""


(Cyrano de Bergerac, Ato II =- 8)



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2 comentários:

Selene disse...

"(...) Porém, sonhar, cantar, passar... ter liberdade e fibra... ter a vista segura e ter a voz que vibra... pôr o meu feltro à banda e - espanto dos perversos - por um sim, por um não bater-me ou fazer versos... Trabalhar sem ter fito em lucros e honrarias, numa excursão à lua e noutras fantasias... Nada escrever jamais que eu mesmo não produza. E, modesto, dizer a minha altiva musa: seja do teu pomar, do teu próprio, o que tu colhas... embora fruto, flor ou simplesmente folhas. Depois, se acaso a glória entrar pela janela, a César não dever a mínima parcela, guardar para mim mesmo a gratidão mais pura. Enfim, sem ser a hera, a parasita obscura, nem o carvalho e o til, gigantes do caminho. Subir não muito, SIM, porém subir sozinho."

Bom texto pra declamar.
Abraços, Gurgel.

Samara disse...

(ATITUDE E PRÁTICA) ou ATITUDE É PRÁTICA ou ainda ATITUDE X PRÁTICA?... já dizia outro poeta.

“Sempre que me relacionar com alguém, que eu me considere a criatura mais ínfima de todas e que encare o outro como supremo do fundo do meu coração!...
Quando eu vir seres de natureza perversa, oprimidos por tormentos e pecados violentos, que eu considere de alto valor essas criaturas raras como se tivesse encontrado um precioso tesouro!...
Quando os outros, por inveja, me tratarem mal com imprecações, calúnias e atitudes semelhantes, que eu sofra a derrota e ofereça a vitória aos outros!...
Quando aquele, a quem beneficiei com grande esperança, me FERIR PROFUNDAMENTE, que eu possa encará-lo como MEU SUPREMO GURU!
Em suma, que eu possa, direta ou indiretamente, oferecer benefícios e felicidade a todos os seres; que eu em segredo possa nos meus ombros a dor e o sofrimento de todos os seres!...”

A despeito dos estupros, agouros e assassinatos na “nossa sociedade”...existe BASTANTE disposição de alguns para impedir que as GRANDES PESSOAS sejam enegrecidas, acaso tocadas.

Samara